terça-feira, 22 de março de 2011

Mário Soares no Diário de Notícias de hoje: «Uma guerrilha partidária à portuguesa»



Um apelo angustiado

Mário Soares

1 Há razões para admitir que a próxima Cimeira da União Europeia, que se realizará em Bruxelas, nos dias 24 e 25, quinta e sexta-feira, vai ser decisiva para o futuro da Europa e do euro. A agenda, pelo menos, é indiscutivelmente importante e se for cumprida, como se espera, representará um passo em frente no projecto europeu, há tantos meses paralisado.
Com efeito, para além dos problemas da actualidade, como: a tragédia que vive o Japão e que merece toda a solidariedade internacional possível, depois do sismo e do tsunami que arrasaram cidades inteiras e dos perigos subsequentes, resultantes da proliferação das partículas nucleares, dada a explosão de várias centrais atómicas; e do genocídio intolerável a que tem estado a ser sujeita a população da Líbia, pela acção do ditador Kadhafi e dos seus mercenários, ter sido in extremis parada pela condenação do Conselho de Segurança da ONU e a consequente intervenção aéreo-militar dos Estados Unidos e de alguns países europeus, como a França.
Assim, para além destas - e outras - questões de actualidade, a agenda europeia, da próxima Cimeira de Bruxelas, irá debater: a reforma do Governo Económico da União Europeia; o reforço do pilar euro, mediante a criação de um Pacto sobre o euro; a criação dos mecanismos de estabilidade financeira, com capacidade para valer aos países europeus em crise, como é o caso português e outros; e, finalmente, definir uma estratégia europeia para o crescimento do emprego, sem o que cairão na recessão, criando planos nacionais, para os Estados membros do euro. Temas estes da maior importância para a União, que demonstram que os grandes líderes, como a Alemanha, a França e outros, começam a compreender que alguma coisa tem efectivamente de mudar.
Sabemos que a esmagadora maioria dos Estados da União têm Governos conservadores, alguns ultra-reacionários, com uma cultura neoliberal e economicista. Mas a força da realidade - e da crise, que está longe de ter passado - tem muito peso. Contudo, não há países a querer desertar da Zona Euro. Pelo contrário, alguns Estados, como a Polónia e a Hungria, entre outros, querem integrar-se, quanto antes, na Zona Euro e estão em curso negociações nesse sentido.
Imaginem pois os leitores que é neste momento, tão decisivo para a União - e consequentemente para Portugal -, e depois da reunião polémica que o primeiro-ministro Sócrates teve no dia 12 em Bruxelas, onde realmente conseguiu algumas garantias públicas das instituições europeias e da própria chanceler Merkel, que se desencadeou uma guerrilha partidária à portuguesa, que parece conduzir à queda do Governo e, portanto, a um vazio de poder, por dois ou três meses, precisamente quando o nosso próximo futuro se vai jogar. Com que autoridade, para negociar vantagens para Portugal, se irá apresentar em Bruxelas o primeiro-ministro português?
Não interessa agora discutir, do meu ponto de vista, a quem cabem as culpas do impasse criado. Quando há conflitos partidários, geralmente, as culpas são quase sempre, mais ou menos, repartidas. Vamos, de resto, ouvir, na campanha eleitoral que, ao que parece, infelizmente, se vai abrir, essa discussão interminável. Para quê? Talvez, para não termos tempo de tratar do essencial, o problema que mais aflige o Povo Português: como sair da crise, financeira e económica, em que estamos mergulhados? Será sensato, assim, sejam de quem forem as culpas, acrescentar-lhe uma crise política? Será que alguém pensa, em consciência, que a nossa situação vai melhorar, por ignorarmos durante mais de dois meses a crise que hoje nos aflige - a todos - lançando--nos numa disputa eleitoral, ganhe quem ganhar - PSD ou PS - haja ou não coligações, à direita ou à esquerda?
Depois, o CDS/PP vai estar contra o PSD, a disputar-lhe o terreno, palmo a palmo, como se percebeu no Congresso de Viseu. Os Partidos da extrema-esquerda radical não se entendem, como se tem visto, mas estarão ambos contra Sócrates, o que só o reforça, no interior do PS. Mas nenhum partido quer realmente deitá-lo abaixo. Para ficar pior? Quer fritá-lo em lume brando, o que é diferente. Com a excepção, talvez, de Passos Coelho, porque está, cada vez mais, a sofrer pressões internas nesse sentido.
Quando o País acordar dessa campanha eleitoral, que só desacreditará os Partidos - os políticos e o País - quem terá condições efectivas para governar e nos tirar da crise? E por quanto tempo? Passos Coelho? Outra vez, Sócrates? À beira da bancarrota, o Povo Português estará então, desesperadamente, a pedir um governo de salvação nacional ou até: um salvador (que felizmente parece não ser fácil encontrar) visto não estarmos nos anos trinta do século passado...
No meu modesto entender, só uma pessoa, neste momento, tem possibilidade de intervir, ser ouvido e impedir a catástrofe anunciada: o Senhor Presidente da República. Tem ainda um ou dois dias para intervir. Conhece bem a realidade nacional e europeia e, ainda por cima, é economista. Por isso, não pode - nem deve - sacudir a água do capote e deixar correr. Como se não pudesse intervir no Parlamento - enviando uma mensagem ou chamando os partidos a Belém - quando estão em jogo, talvez como nunca, "os superiores interesses nacionais". Tanto mais que, durante a campanha eleitoral para a Presidência, prometeu exercer uma magistratura de influência activa. Não pode assim permitir, sem que se oiça a sua voz, que os partidos reclamem insensatamente eleições, que paralisarão, nos próximos dois meses cruciais, a vida nacional, em perigo iminente de bancarrota.
Se não intervier agora, quando será o momento para se pronunciar? É uma responsabilidade que necessariamente ficará a pesar-lhe. Por isso - e com o devido respeito - lhe dirijo este apelo angustiado, quebrando um silêncio que sempre tenho mantido em relação ao exercício das funções dos meus sucessores, no alto cargo de Presidente da República.
E, já agora, seja-me permitida uma última nota. Também não me agradou nada o exemplo que o Senhor Presidente deu aos nossos jovens, apontando-lhes os também então jovens, que se bateram - a maior parte deles forçados - nas guerras coloniais do salazarismo. Inúteis, como se viu, obsoletas e altamente prejudiciais para Portugal. Foi uma forma de esquecer o sentido essencial do 25 de Abril que, aliás, tantas vezes, elogiou - e bem - nos últimos anos. Podendo, com este exemplo infeliz, lesar as excelentes relações que temos vindo a construir, no quadro da CPLP. Sobretudo, quando essas relações nos são tão necessárias, no momento de crise que atravessamos.

Ler mais aqui

Etiquetas

A Alegria do Amor A. M. Pires Cabral Abbé Pierre Abel Resende Abraham Lincoln Abu Dhabi Acácio Catarino Adelino Aires Adérito Tomé Adília Lopes Adolfo Roque Adolfo Suárez Adriano Miranda Adriano Moreira Afonso Henrique Afonso Lopes Vieira Afonso Reis Cabral Afonso Rocha Agostinho da Silva Agustina Bessa-Luís Aida Martins Aida Viegas Aires do Nascimento Alan McFadyen Albert Camus Albert Einstein Albert Schweitzer Alberto Caeiro Alberto Martins Alberto Souto Albufeira Alçada Baptista Alcobaça Alda Casqueira Aldeia da Luz Aldeia Global Alentejo Alexander Bell Alexander Von Humboldt Alexandra Lucas Coelho Alexandre Cruz Alexandre Dumas Alexandre Herculano Alexandre Mello Alexandre Nascimento Alexandre O'Neill Alexandre O’Neill Alexandrina Cordeiro Alfred de Vigny Alfredo Ferreira da Silva Algarve Almada Negreiros Almeida Garrett Álvaro de Campos Álvaro Garrido Álvaro Guimarães Álvaro Teixeira Lopes Alves Barbosa Alves Redol Amadeu de Sousa Amadeu Souza Cardoso Amália Rodrigues Amarante Amaro Neves Amazónia Amélia Fernandes América Latina Amorosa Oliveira Ana Arneira Ana Dulce Ana Luísa Amaral Ana Maria Lopes Ana Paula Vitorino Ana Rita Ribau Ana Sullivan Ana Vicente Ana Vidovic Anabela Capucho André Vieira Andrea Riccardi Andrea Wulf Andreia Hall Andrés Torres Queiruga Ângelo Ribau Ângelo Valente Angola Angra de Heroísmo Angra do Heroísmo Aníbal Sarabando Bola Anselmo Borges Antero de Quental Anthony Bourdin Antoni Gaudí Antónia Rodrigues António Francisco António Marcelino António Moiteiro António Alçada Baptista António Aleixo António Amador António Araújo António Arnaut António Arroio António Augusto Afonso António Barreto António Campos Graça António Capão António Carneiro António Christo António Cirino António Colaço António Conceição António Correia d’Oliveira António Correia de Oliveira António Costa António Couto António Damásio António Feijó António Feio António Fernandes António Ferreira Gomes António Francisco António Francisco dos Santos António Franco Alexandre António Gandarinho António Gedeão António Guerreiro António Guterres António José Seguro António Lau António Lobo Antunes António Manuel Couto Viana António Marcelino António Marques da Silva António Marto António Marujo António Mega Ferreira António Moiteiro António Morais António Neves António Nobre António Pascoal António Pinho António Ramos Rosa António Rego António Rodrigues António Santos Antonio Tabucchi António Vieira António Vítor Carvalho António Vitorino Aquilino Ribeiro Arada Ares da Gafanha Ares da Primavera Ares de Festa Ares de Inverno Ares de Moçambique Ares de Outono Ares de Primavera Ares de verão ARES DO INVERNO ARES DO OUTONO Ares do Verão Arestal Arganil Argentina Argus Ariel Álvarez Aristides Sousa Mendes Aristóteles Armando Cravo Armando Ferraz Armando França Armando Grilo Armando Lourenço Martins Armando Regala Armando Tavares da Silva Arménio Pires Dias Arminda Ribau Arrais Ançã Artur Agostinho Artur Ferreira Sardo Artur Portela Ary dos Santos Ascêncio de Freitas Augusto Gil Augusto Lopes Augusto Santos Silva Augusto Semedo Austen Ivereigh Av. José Estêvão Avanca Aveiro B.B. King Babe Babel Baltasar Casqueira Bárbara Cartagena Bárbara Reis Barra Barra de Aveiro Barra de Mira Bartolomeu dos Mártires Basílio de Oliveira Beatriz Martins Beatriz R. Antunes Beijamim Mónica Beira-Mar Belinha Belmiro de Azevedo Belmiro Fernandes Pereira Belmonte Benjamin Franklin Bento Domingues Bento XVI Bernardo Domingues Bernardo Santareno Bertrand Bertrand Russell Bestida Betânia Betty Friedan Bin Laden Bismarck Boassas Boavista Boca da Barra Bocaccio Bocage Braga da Cruz Bragança-Miranda Bratislava Bruce Springsteen Bruto da Costa Bunheiro Bussaco Butão Cabral do Nascimento Camilo Castelo Branco Cândido Teles Cardeal Cardijn Cardoso Ferreira Carla Hilário de Almeida Quevedo Carlos Alberto Pereira Carlos Anastácio Carlos Azevedo Carlos Borrego Carlos Candal Carlos Coelho Carlos Daniel Carlos Drummond de Andrade Carlos Duarte Carlos Fiolhais Carlos Isabel Carlos João Correia Carlos Matos Carlos Mester Carlos Nascimento Carlos Nunes Carlos Paião Carlos Pinto Coelho Carlos Rocha Carlos Roeder Carlos Sarabando Bola Carlos Teixeira Carmelitas Carmelo de Aveiro Carreira da Neves Casimiro Madaíl Castelo da Gafanha Castelo de Pombal Castro de Carvalhelhos Catalunha Catitinha Cavaco Silva Caves Aliança Cecília Sacramento Celso Santos César Fernandes Cesário Verde Chaimite Charles de Gaulle Charles Dickens Charlie Hebdo Charlot Chave Chaves Claudete Albino Cláudia Ribau Conceição Serrão Confraria do Bacalhau Confraria dos Ovos Moles Confraria Gastronómica do Bacalhau Confúcio Congar Conímbriga Coreia do Norte Coreia do Sul Corvo Costa Nova Couto Esteves Cristianísmo Cristiano Ronaldo Cristina Lopes Cristo Cristo Negro Cristo Rei Cristo Ressuscitado D. Afonso Henriques D. António Couto D. António Francisco D. António Francisco dos Santos D. António Marcelino D. António Moiteiro D. Carlos Azevedo D. Carlos I D. Dinis D. Duarte D. Eurico Dias Nogueira D. Hélder Câmara D. João Evangelista D. José Policarpo D. Júlio Tavares Rebimbas D. Manuel Clemente D. Manuel de Almeida Trindade D. Manuel II D. Nuno D. Trump D.Nuno Álvares Pereira Dalai Lama Dalila Balekjian Daniel Faria Daniel Gonçalves Daniel Jonas Daniel Ortega Daniel Rodrigues Daniel Ruivo Daniel Serrão Daniela Leitão Darwin David Lopes Ramos David Marçal David Mourão-Ferreira David Quammen Del Bosque Delacroix Delmar Conde Demóstenes

Arquivo do blogue

Arquivo do blogue