Stephen Hawking
Hawking e Deus
Anselmo Borges
Ainda não a li, mas posso supor que a nova obra de Stephen Hawking, escrita em conjunto com o físico norte-americano Leonard Mlodinow, The Grand Design (O grandioso plano), terá um êxito enorme, como há anos aconteceu com o seu bestseller A Brief History of Time (Uma breve história do tempo).
Hawking, que sofre há décadas dessa terrível doença do foro neurológico que dá pelo nome de esclerose lateral amiotrófica, é um astrofísico de renome mundial, detentor até há pouco da célebre Cátedra Lucasiana de Matemáticas da Universidade de Cambridge, outrora ocupada por Isaac Newton, e que deu contributos fundamentais no domínio da física teórica, nomeadamente em questões de cosmologia, buracos negros e gravitação quântica.
Nesta obra, afirma que as novas teorias da física podem explicar de modo cabal o aparecimento do universo, tornando supérfluo o papel de um Deus criador. Segundo The Times, escreve que, "o universo pôde criar-se a si mesmo - e de facto fê-lo - do nada. A criação espontânea é a razão de existir algo, de existir o universo, de existirmos nós". Concretamente, a descoberta do primeiro planeta extra-solar ajudaria a desmontar a visão de Newton, que afirmava o Deus criador, pois o universo não poderia surgir do caos. A descoberta abre a possibilidade de outros planetas e outros universos, que seriam redundantes, se a intenção de Deus fosse criar o homem.
Estas afirmações de Hawking percorreram mundo e foram saudadas concretamente pelo bem conhecido biólogo e ateu militante Richard Dawkins, que declarou que "o darwinismo expulsou Deus da biologia, mas na física persistiu a incerteza. Mas agora, Hawking deu-lhe o golpe de misericórdia".
Remetendo para tudo quanto tenho aqui escrito sobre o tema, gostaria de fazer uma reflexão breve sobre os dois pontos em causa: um referido à religião e o outro à ciência.
Quero lembrar que frequentemente a razão de becos sem saída neste domínio se situa na própria compreensão da religião.
Por exemplo, houve por vezes uma leitura literal do Génesis, que relata a criação do universo e do homem. É evidente que essa leitura só pode levar a posições ridículas. Exemplos disso são a datação do começo do universo há 6000 e poucos anos - assim pensou o bispo Ussher -, o primitivismo do aparecimento de Adão a partir da modelação do barro, a história da costela para o aparecimento de Eva, a incompatibilidade da criação e da evolução.
Hoje, felizmente, tomou-se consciência de que a Bíblia não é um livro de ciência, mas um livro religioso e o que se refere à criação é um mito, mas um mito que dá que pensar, como disse Paul Ricoeur. A sua finalidade é dar uma resposta de fé à pergunta do porquê e para quê últimos do universo e do homem: devem a sua existência, em última instância, ao desígnio do Deus pessoal e transcendente, que cria por amor a partir do nada.
O outro ponto da reflexão diz respeito à ciência. É claro que a ciência metodicamente não precisa de Deus. Por outro lado, não tem capacidade nem para afirmar nem para negar a sua existência.
Quando um cientista quer, a partir da ciência, afirmar que não há Deus, contradiz-se e entra em paralogismos, pois ultrapassa as suas competências enquanto cientista. De facto, a ciência não pode fazer afirmações sobre a realidade na sua ultimidade. Por exemplo, há Deus ou não?, o homem é livre?, com a morte acaba tudo ou a vida continua? A razão dessa impossibilidade está em que estas questões não são enquadráveis no método empírico-matemático, não são objecto de experimentação.
Religião e ciência são perfeitamente compatíveis, desde que respeitem os seus domínios de competência. A religião não tem respostas para questões científicas. A ciência não responde à problemática dos valores e a questões como: porque há algo e não nada?, qual é o sentido último da existência?
Assim se compreende que haja cientistas agnósticos, ateus e crentes. Também os crentes não habitam todos no asilo da ignorância e da superstição.
In DN