Heraclito
Entre o lixo e o paraíso
“A natureza não é um monte de lixo lançado ao acaso”.Disse-o Heraclito de Éfeso há 2500 anos. Lembrou-o Bento XVI na recente mensagem para o Dia da Paz. Há uma lei interna, secreta, inteligente, no coração das coisas, que remói a história, vai muito para além da escassez das nossas contas e das nossas vidas. Tudo nos foi confiado por Deus. Não somos donos dos vulcões, ventos e tempestades. Nem fazemos nascer as manhãs de suave brisa ou os tons sublimes do luar. Mas a Terra, ínfima parcela do universo, é a nossa casa. E merece o nosso olhar de respeito para que nos abrigue e permita em cada dia o pão e a alegria sobre a nossa mesa.
Para os lados de Copenhaga disseram que está doente o nosso planeta, sufocado pelos fumos de destruição que inventámos e exploramos sem medirmos o alcance do que jogamos em fogo, terra, ar e a água.
A Igreja diz-nos que isto é mais que uma questão técnica. Não envolve apenas os gelos e degelos, os mares e as marés. Envolve-nos. Lembra-nos o mistério de termos o mundo nas nossas mãos. Cada gota de orvalho vale um oceano. Cada grão de areia é como uma enorme praia. Cada minúscula semente tem a força duma floresta. Cada partícula de ar é um pulmão de vida que sofregamente respiramos.
No cosmos há “um desígnio de amor e de verdade”. A herança da criação pertence à humanidade inteira.
É o futuro que está em causa. O futuro é a grande palavra de fé, inteligência e humanidade. Quer dizer que acreditamos no para além de nós, no tempo para além do nosso, do viver, pensar e agir para além de nós. E que sentimos o orgulho de estarmos unidos a uma humanidade para além do indivíduo que cada um de nós é. É isso a solidariedade com o futuro. A ecologia humana é esse tratamento consciente e uno do homem e da terra, do pó a que havemos de regressar, da mão direita de Deus onde repousará o nosso coração. É na purificação da nossa mente que começa a pureza da terra. É no ethos como ponto de ligação que estabelecemos pontes com o universo. Na harmonia do homem e da natureza como uma fraternidade tranquila, proclamada e vivida por Francisco de Assis.
E se descermos ao concreto dos nossos hábitos quotidianos na relação com a energia, a água, o céu, o mar, o frio e o calor, sentiremos que a Terra é um problema político, cultural, económico e tecnológico. Mas é um problema ético, humano, capítulo segundo do Génesis que todos nós reescrevemos. Ninguém no planeta está fora do alcance de edificar, dominar e respeitar a Terra que, como nós, brotou das mãos de Deus. Trata-se dum poema muito mais belo e decisivo que todos os discursos de maldição sobre o CO2. A Terra não é o paraíso. Mas não é um monte de lixo.
António Rego