Passo os meus quinze dias de férias, desde há alguns anos, num ponto de encontro de portugueses e de estrangeiros, estes, sobretudo, casais novos. Durante muito tempo, era a desolação. Praticamente não se viam bebés, nem crianças até aos cinco anos. O panorama foi-se transformando, a pouco e pouco. Desde há meia dúzia de anos começou a notar-se uma mudança. Hoje é impressionante o número de casais europeus, sobretudo da Alemanha e Reino Unido, que vemos com os seus carrinhos de bebés. E já se encontram casais com dois e três filhos, espelhando-se no rosto dos pais, a alegria de os ter. Há dias ouvi e li nos meios de comunicação social alguém do partido no poder a anunciar e valorizar do ponto de vista social o donativo do Estado, destinado a abrir conta a cada criança que nasce.
Lá foi dizendo como isto constituía um incentivo para os pais e, também, uma garantia de a criança não vir a abandonar a escola. Fiquei à espera de mais alguma razão de esperança que, por fim, apareceu um pouco a medo, dizendo que também esta medida podia favorecer o aumento da natalidade. A verdadeira pobreza nacional reside na baixa natalidade, favorecida de mil maneiras. Em Portugal de há muito que não está coberta a normal substituição de gerações.
A pirâmide inverteu-se Há gente responsável que está convencida desta preocupante realidade e das suas causas, pessoais e sociais. Mas há gente acasalada que, de modo frenético, luta pelo direito, assim diz, de adoptar filhos que outros geraram. Uma criança não é um brinquedo, e adoptar não e um gesto de compaixão. A adopção é um caminho responsável e sério por onde, normalmente, não passam os que dão mais atenção a si e aos seus projectos individuais do que aos outros, por força de um amor verdadeiro.
Favorecer a natalidade não se compadece com uns euros depositados em conta de recém-nascido. Exige mudança profunda do clima humano e social que se traduz em favorecer a cultura da vida, ao arrepio da cultura da morte que, neste aspecto, os países da Europa, e também o nosso, estimulam e pagam. Por lá já se vê que estão acordar, por cá ainda se dorme a sono solto. Evoca-se Fernando Pessoa, mas esquece-se o seu preciso testemunho, que não é senão fruto da sabedoria e do bom senso: “O melhor do mundo são as crianças.”
Outra observação de férias foi dar-me conta dos muitos avós em serviço. Chegam à praia mais cedo, com os netos e os seus brinquedos. Carregados de amor e paciência. Dispostos a ajudar sem contrariar muito, o que não é coisa fácil com crianças que se vão habituando a mandar muito e a obedecer pouco. E também chegam antes, com os netos pequenos, aos restaurantes, outra tarefa difícil que leva muitos avós homens a fazer aqui e na praia, com os netos, o que não fizeram com os filhos.
Mais bebés e mais avós activos e prestáveis são motivo de alegria e de esperança, um gesto que pode ser enriquecido com casais mais estáveis, consistentes e preparados para enfrentar os desafios do amor de sempre e da vida do dia-a-dia. Se os partidos políticos, agora que cozinham e apresentam programas para ganhar votos e eleições, olharem a sério para as pessoas e para o essencial das suas vidas, para as defender a promover, estão a esperança não será vã.
Para tudo isto há que ter força para denunciar e não alinhar, como carneiros de olhos no chão, em muitas das opções e das ordens dadas por uma Europa anémica, onde o desvirtuamento dos valores fundamentais vai sendo regra. e as pessoas concretas pesam cada vez manos, não obstante o aparato mediático que nos quer convencer do contrário. Ser europeu, cidadão da Europa, pode ser uma mais valia, mas não ser nunca pelo apagar de nós mesmos e dos valores em que se enraíza a nossa identidade. O barco europeu leva ao leme rostos escondidos. Por algo se escondem. Há que destapá-los.
António Marcelino