1. Aproximam-se tempos de festas populares. Uma oportunidade de, bem mais cuidadosamente, apreciarmos aquilo que são os dinamismos das comunidades que vão fazendo perdurar no tempo um conjunto de valores de pertença. Sendo certo que existirão tradições a aperfeiçoar, senão mesmo a purificar neste ou naquele aspecto, valorizemos essa vontade de expressão comunitária e deixemo-nos sensibilizar para o sentido de que a tradição também se constrói. Diz-se que em tempo de crise também o mesmo fim poderá acontecer às tradições. Nem por isso as coisas terão de ser assim, pois que o segredo das tradições sempre esteve e estará em serem simples e populares. Até porque no sentido espiritual mais profundo, a tradição religiosa procurou sempre aproximar as comunidades simples de ideais divinos, por vezes bem complexos para a mente humana.
2. Assim se compreende que as devoções aos santos – veja-se o caso exemplar universalista de Santo António –, sendo verdade teologicamente que quem salva não é o Santo mas Deus, consegue tirar de casa gente que de outro modo não sairia. É certo que em muitas faces os caminhos das tradições poderão ter contra-sensos, mas na grande maioria da sua expressão a tradição repleta de tradições consegue o milagre de unir, reunir, gerar elos de ligação das raízes das gentes ao sentido de projecto com futuro pessoal e social. Um valor inestimável que em palavras mais “caras” se poderá designar de antropológico, cultural, espiritual, educativo, filosófico e mesmo ético, habita o seio das tradições, valores a compreender para mais e melhor preservar.
3. Importa, por isso, não esperar que elas acabem para depois procurar as suas raízes. Importará investir não tanto em criticá-las como mais em reorientá-las no sentido mais pleno da reconstrução contínua da tradição. As tradições, na sua maior expressão não são museu que o tempo levou, mas transportam consigo a alma das gentes, um sentido de vidas com projecto comunitário. Tão preciso!
Alexandre Cruz