sábado, 28 de fevereiro de 2009

Os nossos emigrantes

Tito Estanqueiro na primeira pessoa

O brasileiro é alegre e muito dado a festas


Quando cheguei ao Brasil, em 1981, tinha apenas 15 anos. Vivia o fervor da adolescência e a vontade de trilhar um caminho diferente, pois sentia que em Portugal as possibilidades não seriam muito grandes. Recebeu-me meu saudoso pai, Manuel Teixeira Estanqueiro, mais conhecido por Manuel Rito, com todo o carinho de quem muito queria a minha presença por perto.

 Manaus foi a cidade que me acolheu nos primeiros tempos. Era uma cidade de ruas largas, praças grandes, mas pouco cuidadas, e o Teatro Amazonas, fruto do período áureo do ciclo da borracha, sobressaía pela sua imponência. Tudo muito diferente da região de Aveiro.
Verifiquei de imediato que o brasileiro é alegre, muito dado a festas para comemorar tudo, com o churrasquinho no final do expediente ou a propósito de um simples jogo particular da selecção brasileira, que faz parar o país. Imaginem como é quando se trata de competição oficial para a Copa do Mundo.
As saudades não faltaram e subsistem, mas a forma como o brasileiro tudo faz para que qualquer um, que aqui chega, se sinta em casa, foi e é a tónica dominante que me fez ficar por cá até hoje.
Senti saudades da minha mãe e irmã, tal como de outros familiares e amigos. As telecomunicações não eram tão desenvolvidas como hoje. Lembro-me de ter ligado para saber o resultado final de um jogo do nosso Sporting, com que dificuldades! Tudo isto me alimentava o sonho de um dia regressar a Portugal, para estar mais perto da família e para desfrutar das coisas boas em que o nosso país é pródigo. Naquela altura, as saudades de Portugal eram de certa maneira “combatidas” com a Emissora Nacional, mesmo que as ondas curtas não permitissem escutar, com precisão, as informações e a música portuguesa.
Falando do “Funchal”, recordo que o meu pai, piloto aviador comercial, não deixava de fazer um voo rasante sobre o paquete, quando ele navegava entre Santarém e Manaus, caso passasse próximo. Desde que cheguei, convivi com jovens da minha idade, embora houvesse uma enorme diferença no relacionamento. O jovem brasileiro era mais ousado... e as meninas muito atrevidas. Entrei na escola técnica para frequentar o segundo grau (que dá acesso ao ensino superior), que não completei. Aí vi que não havia respeito para com os professores, como era habitual em Portugal. Mas nas áreas do conhecimento, não havia grandes diferenças. Com o falecimento do meu pai, num acidente de aviação, em Junho de 1982, só mais tarde, como autodidacta, me preparei e fiz os exames do segundo grau.
Perder o pai é sempre um trauma, mas a vida ensinou-me que temos de estar preparados para tudo. Talvez isso explique uma das grandes verdades que o brasileiro diz: “para que você ouse o máximo no seu dia-a-dia, viva hoje como se fosse o seu último dia, pois um dia você acerta.” Depois, em 1984, tirei o brevet de piloto comercial e comecei a voar para os locais mais distantes da Amazónia, onde o acesso só era possível por navegação fluvial ou aérea. Mesmo aí, o brasileiro acolhia os forasteiros, oferecendo-lhes o que de melhor havia na cidade.
O povo impressionou-me pela sua forma de encarar a vida, de viver o Carnaval, de opinar sobre tudo o que no dia-a-dia o afecta. Posso dizer que, pese embora as dificuldades, que são enormes, pelas disparidades regionais, é um povo muito empreendedor. Após a incursão pela aviação, mudei-me para Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, Estado que tem a maior parte do bioma Pantanal. Ingressei na Universidade Pública e completei a licenciatura de Ciências Económicas, com a qual voltei ao mercado de trabalho. Mais tarde, surgiu a possibilidade de tirar o mestrado em Ciências Económicas e lá consegui essa meta com algum brilhantismo. Foram tempos divididos entre Campo Grande e São Paulo. Esta última cidade é, sem dúvida, única; não falta nada, tem tudo o que se pode imaginar. Se visitar não deixe de conhecer o Mercado Municipal e o Museu da Língua Portuguesa. Vale a pena. Permitam-me que evoque um grande amigo, já falecido, António M. Cravo Cascais, com quem privei imensos momentos e de quem lembro a sua inegável dedicação e preocupação, após o falecimento do meu pai. Estou-lhe muito grato.
Depois de uma tentativa falhada de regressar de vez à Gafanha da Nazaré, com a Débora, pensei que talvez tenha errado em ter emigrado, mas, como diz a Ti Vitória, minha avó, agora “não adianta chorar pelo leite derramado”.
A minha vida, presentemente, está assente no Brasil. Em 2006, fruto das amizades realizadas e da competência que me é reconhecida, passei a desempenhar funções de director técnico da SEBRAE/MS, no Mato Grosso do Sul, uma instituição que apoia as micro e pequenas empresa. Assim, passei a ter a nossa Gafanha da Nazaré apenas como local das minhas férias, até porque empreendi novos desafios que vieram com a chegada do João Vítor, primeiro filho, e das novas responsabilidades assumidas.


Oásis de progresso

Quando havia a oportunidade, lá dava eu um pulo a Portugal para rever família e amigos. O período mais difícil foi entre 1982 a 1985, quando passei quase mil dias longe do que eu mais considero. Esse interregno ensinou-me que o dinheiro vale para ser usado em vida. De nada adiantaria eu fazer o habitual que os portugueses fazem: montar uma padaria, passar 20 anos sem ir a Portugal e depois regressar com alguma pompa. Quantas histórias parecidas escutei!
Desde 1985, quase todos os anos visito os parentes e amigos, como diria o meu bisavô, Ti Sarabando. Já são mais de 25 viagens que muito contribuíram para estar na nossa Gafanha.
As visitas são corridas, falta tempo para estar com todos, para partilhar horas de convívio, mas não deixo de ouvir quem me conta como tem evoluído a nossa terra. Sou um defensor do desenvolvimento económico, mas digo que faltou, durante imenso tempo, visão a alguns líderes políticos para reclamarem a expansão do Porto de Aveiro. Perdemos a chance de ter um desenvolvimento sustentável para as nossas gentes, implementando uma marina e a respectiva envolvente, que geraria mais emprego e poderia permitir uma outra dinâmica, colocando esse ponto ocidental da costa atlântica como oásis do progresso. Mas os novos Portos de Aveiro aí estão a preparar-se, certamente, para assumir um grande futuro, embora por vezes algumas obras portuárias descaracterizem o bucolismo da sempre acolhedora terra dos nossos pais e avós. ~

Texto elaborado a partir de uma entrevista, via e-mail, com o Tito Estanqueiro, economista, emigrante no Brasil, mas com as marcas das saudades da nossa terra e das nossas gentes bem presentes.

Fernando Martins

Etiquetas

A Alegria do Amor A. M. Pires Cabral Abbé Pierre Abel Resende Abraham Lincoln Abu Dhabi Acácio Catarino Adelino Aires Adérito Tomé Adília Lopes Adolfo Roque Adolfo Suárez Adriano Miranda Adriano Moreira Afonso Henrique Afonso Lopes Vieira Afonso Reis Cabral Afonso Rocha Agostinho da Silva Agustina Bessa-Luís Aida Martins Aida Viegas Aires do Nascimento Alan McFadyen Albert Camus Albert Einstein Albert Schweitzer Alberto Caeiro Alberto Martins Alberto Souto Albufeira Alçada Baptista Alcobaça Alda Casqueira Aldeia da Luz Aldeia Global Alentejo Alexander Bell Alexander Von Humboldt Alexandra Lucas Coelho Alexandre Cruz Alexandre Dumas Alexandre Herculano Alexandre Mello Alexandre Nascimento Alexandre O'Neill Alexandre O’Neill Alexandrina Cordeiro Alfred de Vigny Alfredo Ferreira da Silva Algarve Almada Negreiros Almeida Garrett Álvaro de Campos Álvaro Garrido Álvaro Guimarães Álvaro Teixeira Lopes Alves Barbosa Alves Redol Amadeu de Sousa Amadeu Souza Cardoso Amália Rodrigues Amarante Amaro Neves Amazónia Amélia Fernandes América Latina Amorosa Oliveira Ana Arneira Ana Dulce Ana Luísa Amaral Ana Maria Lopes Ana Paula Vitorino Ana Rita Ribau Ana Sullivan Ana Vicente Ana Vidovic Anabela Capucho André Vieira Andrea Riccardi Andrea Wulf Andreia Hall Andrés Torres Queiruga Ângelo Ribau Ângelo Valente Angola Angra de Heroísmo Angra do Heroísmo Aníbal Sarabando Bola Anselmo Borges Antero de Quental Anthony Bourdin Antoni Gaudí Antónia Rodrigues António Francisco António Marcelino António Moiteiro António Alçada Baptista António Aleixo António Amador António Araújo António Arnaut António Arroio António Augusto Afonso António Barreto António Campos Graça António Capão António Carneiro António Christo António Cirino António Colaço António Conceição António Correia d’Oliveira António Correia de Oliveira António Costa António Couto António Damásio António Feijó António Feio António Fernandes António Ferreira Gomes António Francisco António Francisco dos Santos António Franco Alexandre António Gandarinho António Gedeão António Guerreiro António Guterres António José Seguro António Lau António Lobo Antunes António Manuel Couto Viana António Marcelino António Marques da Silva António Marto António Marujo António Mega Ferreira António Moiteiro António Morais António Neves António Nobre António Pascoal António Pinho António Ramos Rosa António Rego António Rodrigues António Santos Antonio Tabucchi António Vieira António Vítor Carvalho António Vitorino Aquilino Ribeiro Arada Ares da Gafanha Ares da Primavera Ares de Festa Ares de Inverno Ares de Moçambique Ares de Outono Ares de Primavera Ares de verão ARES DO INVERNO ARES DO OUTONO Ares do Verão Arestal Arganil Argentina Argus Ariel Álvarez Aristides Sousa Mendes Aristóteles Armando Cravo Armando Ferraz Armando França Armando Grilo Armando Lourenço Martins Armando Regala Armando Tavares da Silva Arménio Pires Dias Arminda Ribau Arrais Ançã Artur Agostinho Artur Ferreira Sardo Artur Portela Ary dos Santos Ascêncio de Freitas Augusto Gil Augusto Lopes Augusto Santos Silva Augusto Semedo Austen Ivereigh Av. José Estêvão Avanca Aveiro B.B. King Babe Babel Baltasar Casqueira Bárbara Cartagena Bárbara Reis Barra Barra de Aveiro Barra de Mira Bartolomeu dos Mártires Basílio de Oliveira Beatriz Martins Beatriz R. Antunes Beijamim Mónica Beira-Mar Belinha Belmiro de Azevedo Belmiro Fernandes Pereira Belmonte Benjamin Franklin Bento Domingues Bento XVI Bernardo Domingues Bernardo Santareno Bertrand Bertrand Russell Bestida Betânia Betty Friedan Bin Laden Bismarck Boassas Boavista Boca da Barra Bocaccio Bocage Braga da Cruz Bragança-Miranda Bratislava Bruce Springsteen Bruto da Costa Bunheiro Bussaco Butão Cabral do Nascimento Camilo Castelo Branco Cândido Teles Cardeal Cardijn Cardoso Ferreira Carla Hilário de Almeida Quevedo Carlos Alberto Pereira Carlos Anastácio Carlos Azevedo Carlos Borrego Carlos Candal Carlos Coelho Carlos Daniel Carlos Drummond de Andrade Carlos Duarte Carlos Fiolhais Carlos Isabel Carlos João Correia Carlos Matos Carlos Mester Carlos Nascimento Carlos Nunes Carlos Paião Carlos Pinto Coelho Carlos Rocha Carlos Roeder Carlos Sarabando Bola Carlos Teixeira Carmelitas Carmelo de Aveiro Carreira da Neves Casimiro Madaíl Castelo da Gafanha Castelo de Pombal Castro de Carvalhelhos Catalunha Catitinha Cavaco Silva Caves Aliança Cecília Sacramento Celso Santos César Fernandes Cesário Verde Chaimite Charles de Gaulle Charles Dickens Charlie Hebdo Charlot Chave Chaves Claudete Albino Cláudia Ribau Conceição Serrão Confraria do Bacalhau Confraria dos Ovos Moles Confraria Gastronómica do Bacalhau Confúcio Congar Conímbriga Coreia do Norte Coreia do Sul Corvo Costa Nova Couto Esteves Cristianísmo Cristiano Ronaldo Cristina Lopes Cristo Cristo Negro Cristo Rei Cristo Ressuscitado D. Afonso Henriques D. António Couto D. António Francisco D. António Francisco dos Santos D. António Marcelino D. António Moiteiro D. Carlos Azevedo D. Carlos I D. Dinis D. Duarte D. Eurico Dias Nogueira D. Hélder Câmara D. João Evangelista D. José Policarpo D. Júlio Tavares Rebimbas D. Manuel Clemente D. Manuel de Almeida Trindade D. Manuel II D. Nuno D. Trump D.Nuno Álvares Pereira Dalai Lama Dalila Balekjian Daniel Faria Daniel Gonçalves Daniel Jonas Daniel Ortega Daniel Rodrigues Daniel Ruivo Daniel Serrão Daniela Leitão Darwin David Lopes Ramos David Marçal David Mourão-Ferreira David Quammen Del Bosque Delacroix Delmar Conde Demóstenes

Arquivo do blogue

Arquivo do blogue