A militância ateia não termina, nem desarma. A nova modalidade, a do autocarro que prega e provoca, começa em Londres, já duplica em Barcelona e já é acontecimento em Madrid. A coisa, na sua expressão visível, reduz-se a pouco. Autocarros do serviço público rodam pelas ruas da cidade com grandes letreiros publicitários, que dizem assim: “Provavelmente Deus não existe. Deixa de te preocupar e goza a vida”.
Como era de esperar, surgiu logo, na capital espanhola, a resposta ao desafio. Outra faixa publicitária responde à provocação ateia, dizendo: “Deus existe. Goza a vida em Cristo”. E, assim, se entra numa guerra em que, certamente, Deus não está interessado.
A lógica é bem visível e traduz-se em poucas palavras. Se ateus e agnósticos assim professam e publicitam as suas convicções, porque não hão-de também os crentes mostrar a sua fé e serem dela militantes? Mundo laico, democrata e plural, na vida das pessoas dá direitos iguais, a menos que os crentes parem para ler o “sinal dos tempos”.Para os meios de comunicação social tudo isto é notícia que ajuda a vender e a aumentar audiências. Já estão dando sinais e, por um tempo, as coisas vão continuar. Até que o autocarro pare. A publicidade deixa de interessar, quando já não diz nada e não vende. Publicitários e consumidores apercebem-se desse momento. Há que saber esperar.
Sabemos que onde há militância, há também criatividade. Passados meses, vai surgir nova provocação, que o tempo se encarregará de que se lhe pague igual tributo. Por isso mesmo, o mais importante não é rasgar vestes por razão do escândalo, nem fomentar campanhas portadoras de repulsa, nem disputar formas de melhor imaginação.
De há muito se vem dizendo que os cristãos têm de aprender a viver, a estar de pé, a testemunhar convicções, num mundo que não é uniforme nem no pensar, nem no agir.
O Vaticano II diz que “recusar Deus ou a religião ou não se preocupar com isso, não é, ao contrário de outros tempos, um facto excepcional ou individual… Em muitas regiões o ateísmo e o agnosticismo não se exprimem só ao nível filosófico, mas, também, em larga escala afectam a literatura, a arte, a concepção das ciências humanas e da história e as próprias leis civis”. Aparecem assim como “uma exigência do progresso científico e de um qualquer novo humanismo”. Quarenta anos depois é ainda assim, não obstante o abrir do coração de muitos que, então e depois, se diziam ateus e que hoje já não são.
A Igreja e os cristãos, mais do que entrar em batalhas inúteis, usando armas e meios iguais quando vêem desrespeitadas as suas convicções por gente que pensa de outro modo e faz da sua “crença” uma militância pública, têm de perceber este fenómeno nas suas diversas expressões, ir ao fundo das razões que o provocam, saber discernir, serenamente, a mensagem que lhes chega, por parte do Deus em que acreditam.
Deus não é uma prova da razão, é razão da fé. E a fé é um dom que dá razões para viver com liberdade e dignidade, dá sentido ao agir diário, provoca relações marcadas pelo amor e pelo respeito, fomenta um humanismo real em que o homem e mulher são pessoas integrais e nunca mutiladas.
A fé leva o crente a aceitar o desafio de mostrar pela sua vida que Deus está vivo e que o contágio da fé se dá pelas boas obras, não por argumentos racionais, influências humanas ou gritos de vitória. A fé mostra que acreditar não é um absurdo, mas caminho de felicidade e de realização humana.
A campanha contra Deus vem mostrar a necessidade de saber dizer Deus com a vida e sublinhar a necessidade da formação. A fé não é simples tradição. Os pais e os outros crentes são mediadores da transmissão da fé, não seu fundamento ou razão profunda. O que vem de Deus, conhecendo-se melhor a fonte de onde provém, tem força de convicção e de comunicação. Ao crente não apavoram as investidas do ateu. Há que enriquecer a razão de crer para viver liberto num mundo velho, que se nega à eterna novidade de Deus. Aos novos fautores da “morte de Deus”, a história não ensina nada?
António Marcelino