Chegou-me há dias, numa das revistas que assino e leio com cuidado, um estudo que pretende dar resposta a uma pergunta incómoda, que também vinha fazendo: Trata-se de perceber a razão do colapso religioso da Bélgica cristã, por muitos séculos pioneira em diversos aspectos de renovação da Igreja católica e alfobre rico de espiritualidades consistentes, mormente no campo do laicado. Foi e permanece um modelo democrático conhecido nas relações Igreja – Estado. Regime de separação, nem união, nem aliança, uma independência recíproca, mas reconhecimento e gratidão do Estado pelo papel da Igreja em inúmeros aspectos da vida social, nomeadamente na educação escolar.
Ao longo de quatro décadas a prática dominical desceu aos 7%, alcançando os 11,5% pelo Natal; os baptismos desceram de 90% para 60%, não obstante o aumento da população emigrante; aumentaram os casamentos civis e os funerais cristãos passaram de 84% a 65%. Estão contados por 208 mil os cristãos, formados e conscientes, que tornam viva a Igreja na Bélgica e que, com os seus pastores, tentam, com algum êxito, novos caminhos de renovação, a partir de pequenas comunidades vivas e activas. Isto implica um grande desafio para os cristãos que se traduz na aprendizagem diária de viver em minoria.
Sabemos que a Bélgica, que tem em Bruxelas a sede da União Europeia, se tornou nas últimas décadas um campo aberto a toda a Europa e mesmo ao mundo da política, dos negócios e das culturas. Muitas dificuldades internas, que vêm de longe, agudizaram-se no campo político e civil, num país com duas regiões, duas línguas, duas culturas, duas tradições e uma população autóctone envelhecida.
Mas, o que tem sido determinante, assim o dizem os que estudam o fenómeno, é a organização que dá pelo nome de Centro de Acção Laica, cuja adesão não vai além de 1%, que exerce uma militância destrutiva da estrutura eclesial, põe a ridículo o ser cristão, por se tratar, dizem, de algo que cheira a mofo ser pessoa que “ainda acredita em alguma coisa”. Trata-se, portanto, de um laicismo organizado e militante, uma “quase-igreja” posta em marcha por laicos anti-clericais, com os seus ritos particulares (!) e grande poder mediático. Pela linguagem e objectivos não é difícil ver as raízes…
O Grão-Mestre português do Grande Oriente Lusitano, o ramo mais poderoso da maçonaria, dizia numa pequena entrevista ao Correio da Manhã (28.09.08) que o grande objectivo é agora expandir o Grande Oriente Lusitano, desenvolver mais acções de solidariedade social e reforçar a presença na sociedade civil. A acção, a nível de solidariedade social, muito útil para a maçonaria, diz o Grão-Mestre, far-se-á através de colóquios, conferências, seminários e outras actividades. Assim, também, na Bélgica.
Os cristãos e responsáveis eclesiásticos não se podem dispensar de uma atenção cuidada ao que se passa entre nós, pois que não há efeitos sem causas e quem não conhece estas não acertará no remédio para os males.
Não há que negar a ninguém o direito de se associar, nem impedir os objectivos de uma associação legitimada pela lei, e muito menos cair em acções de cruzada. O caminho agora é outro.
Acabar com distracções, ler a realidade com cuidado, apostar no essencial, fazer novas propostas a favor das pessoas, da sua dignidade e de uma sociedade mais humana e justa, empenhar-se em pequenas comunidade vivas e activas e, sobretudo, aprender a viver cada dia numa sociedade plural, onde o ser menos numeroso, pode levar a Igreja a retomar o verdadeiro sentido do caminho evangélico.
Uma questão de fé consciente e enraizada, esperança actuante e união na acção.
António Marcelino