No mirante torreado da portaria, defronte do chalet aonde agora fica o hotel, a vista descortina toda a Bairrada, num soberbíssimo leque de montanhas e campinas, e as dunas brancas da Figueira e Costa Nova; e, sobre o pano desdobrado desse leque, aguareladas em pálido, num fundo anil mui caprichoso, trinta ou quarenta povoações esmaltam a monotonia da paisagem, fumando na emurchecida luz das tardes hibernais.
O Buçaco é, para assim dizer, o botão terminal para cujo eixo convergem as varetas todas dessa maravilhosa ventarola e aguarela, e o foco acústico de quantos rumores se esgarcem por qualquer ponto daquela enseada formosíssima de vinhedos e couvais.
Meia-noite dada, os apelos de quarenta campanários de paróquias rústicas chegaram, chamando à missa, ao mirantezinho quadrado da portaria e, por todas as quebradas do vale, luzes errantes, vagas como pirilampos, começaram a mover-se, em divertidíssimos sentidos, deixando os casais caminhos dos presbitérios, sob a neve diáfana de Dezembro, como uma emigração de almas em busca da celeste bem-aventurança.
Com o meu bordão eu apontava e conferia o repique festival daqueles sinos, desde os lugarejos bisonhos de Betão e do Paço, até às paredes brancas de Grade, Anadia, Vila Nova e Vacariça: e em espírito recompunha as cenas emotivas dessa hora sagrada no catálogo das alegrias de família, em cada um daqueles casalitos enterrados na fuligem da noite, por cujas janelas brilhava, aos mendigos das estradas, o olho benéfico do candeeiro de três bicos, aceso ao centro da mesa ornamentada para a ceia de Natal.
Fialho de Almeida
In “Pasquinadas”