1. João Paulo II, ao marcar os limites inultrapassáveis do papel das mulheres na Igreja, deixou uma herança pesada ao Papa Francisco. Não se atreveu a enunciar qualquer dogma, mas tentou barrar definitivamente o acesso das mulheres aos ministérios ordenados, ao sacramento da Ordem.
Nenhum católico está obrigado a receber os sacramentos todos. Mas as mulheres, mesmo que o desejem, mesmo que manifestem as maiores capacidades para serem chamadas a liderar uma comunidade cristã, o facto de serem mulheres constitui um impedimento radical. Pelo contrário, os homens, por serem homens, podem ser chamados à ordenação presbiteral ou episcopal mesmo sem grande talento. Não se trata de um direito, mas da possibilidade de vir a prestar um serviço estruturante, se para tanto forem convidados pelo respectivo Bispo.
Dir-se-á que assim é que está bem. Segundo a narrativa bíblica, na sua linguagem mítico-simbólica, Deus criou o ser humano: homem e mulher. Se é divina essa diferença, ela deve ter a sua significação. Concluir daí que as mulheres ficam impedidas de aceder à liderança das comunidades cristãs é ridículo.
Sustentam alguns que a Igreja não está autorizada a contrariar a vontade de Cristo. É ele que manda na Igreja e não o contrário. Enuncia-se algo que não pode ser mais acertado. Dizer, porém, que a negativa da hierarquia católica e ortodoxa cumpre a vontade de Deus é um salto muito atrevido e não conheço nenhum raciocínio teológico que o permita. As tradições das Igrejas nem sempre reproduzem um desígnio do seu fundador.
2. Urge reexaminar esta questão, pois está semeada de ambiguidades. Quando o movimento feminista católico denuncia esta situação, alguns concluem: as mulheres, ávidas de poder, estão a querer reproduzir, na Igreja, o que acontece na sociedade. Lutam, como os homens, por um lugar ao sol, por carreiras profissionais e por lideranças políticas. Para aptidões iguais, possibilidades iguais. No mundo laboral persiste a desigualdade salarial: para trabalho igual, as mulheres recebem menos e nunca poderão aceitar esta descriminação.
Como na Igreja se continua a pensar que ser padre ou bispo é uma posição superior à dos outros baptizados, coroa de uma carreira eclesiástica, um caminho do poder, as mulheres, ao reivindicarem a possibilidade de aceder ao presbiterado e ao episcopado, estariam também elas a sonhar com a dominação das comunidades católicas. Mesmo que isso possa existir, só pode ter sentido numa eclesiologia piramidal, como a que vigorou antes do Vaticano II, e para quem continua ainda com os esquemas mentais e com os desejos derrotados nesse concilio.
A questão real é outra: na celebração do baptismo, confessamos que todos acedem à mesma condição de povo sacerdotal, real e profético. Todos são sacerdotes, reis e profetas. Todos são Igreja ao mesmo título e pela mesma razão.
As comunidades cristãs precisam de serviços organizados, hierarquizados, a que chamam ministérios ordenados, para garantir a todos a comunhão nos seus bens espirituais: a Palavra de Deus, a celebração dos sacramentos, a evangelização movida pela fé, pela esperança e pelo amor, que provoca a organização social da justiça.
3. Terminei o texto do passado Domingo, acerca do diálogo efectivo entre Jesus e a samaritana, com a seguinte pergunta: porque teria Jesus, segundo as narrativas da Ressurreição, confiado a evangelização da própria Igreja às mulheres?
Falamos sempre de discípulos de Jesus, alguns eram designados apóstolos. De uma forma explícita, nunca se fala de discípulas.
Os apóstolos, perante o apelo de Jesus, largaram tudo e seguiram-no. O Mestre descobriu, depois, que tinha havido um grande equívoco registado, com toda a crueza, por S. Marcos e que os outros evangelistas procuraram atenuar. Esse Evangelho, desde o cap. 4 ao cap. 10, repete 8 vezes que eles nunca entenderam nem as palavras, nem os actos, nem os gestos do Mestre.
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