Reflexão de Georgino Rocha
Em discurso directo, Jesus dá a conhecer as relações que mantém com Deus Pai e as que pretende que os seus discípulos cultivem e pratiquem. Não recorre a metáforas nem a símbolos. Fala em linguagem normal de realidades sublimes. E centra-as no amor em cadeia, que tem a fonte no Pai, toma o rosto humano em si mesmo, estende-se a quem o segue e ama como ele. Este é centro donde provém todo quanto faz e diz. Este é o centro para onde converge a missão que confia à comunidade dos amigos. Este é o centro que gera a mais eloquente história de amor vivida de tantas maneiras ao longo dos tempos por pessoas de todas as idades e categorias sociais.
Amar como ele é padrão e medida para o agir humano. Embora limitados por sermos frágeis e finitos, temos como dinamismo constante a fasquia que está posta, sobretudo no que diz respeito à gratuidade, sem condições, à doação sem reservas, à alegria confiante, sem hesitações. Cada passo dado é caminho feito que marca, por antecipação, a porção da plenitude desejada. E a vida de Jesus Nazareno mostra bem como ele ama, onde encontra forças, a quem dá preferência e os custos que paga. Deixa claro qual é o projecto de salvação que Deus vai realizando por meio do Espírito Santo e da cooperação de toda a humanidade, sobretudo da Igreja.
O amor fundado em Cristo faz das diferenças, comunhão, e proximidade da distância; das rivalidades, concórdia, e doação do egoísmo e da auto-estima; do momento fugaz, ponto de encontro, e da tentação, oportunidade de superação; do esquecimento de si, memória viva e fecunda, e da morte que desfaz a “nossa morada terrestre”, a porta aberta para a vida plena de ressuscitados.
Esta qualidade de amor manifesta-se nos frutos pascais que “compensam” em muito a “privação” de outros bens, fruto de opções livres. Sirva de exemplo a lista que as aparições de Jesus ressuscitado apresentam, ora em género de saudação inicial, ora de entrega confiante ao longo da conversa com os discípulos: a paz, a reunião fraterna, o perdão recíproco, a fé confiante, o anúncio do futuro prometido, o envio em missão universal, a presença activa do Espírito encarregado de recordar todos os ensinamentos e de guiar na busca da verdade, o voto/apelo a que a nossa alegria completa.
Esta alegria provém das “coisas” que Jesus diz aos seus amigos, da confidência dos segredos do Pai, do desejo de que todos permaneçam no seu amor, do cumprimento fiel do seu mandamento. Os discípulos são amigos e não servos, escolhidos e não recrutados, enviados como mensageiros e não autocomplacentes retidos em grupos fechados.
Viver a alegria de Jesus é amar quem ele ama e cultivar os seus sentimentos. A comunidade dos amigos seguidores tem aqui a matriz da sua identidade. Fiel a esta matriz está chamada a ser testemunha do amor de Deus no mundo, sobretudo junto dos cansados da vida, dos torturados pelas incertezas, dos empobrecidos de bens indispensáveis, dos entristecidos e privados da esperança que rasga os limites do presente e dá sentido aos horizontes do futuro. A prova da fidelidade tem, sobretudo, este rosto de proximidade e de serviço, alegre e gratuito.