Em férias, onde quer que estejamos, lembramos sempre outras férias, onde fomos felizes. Ainda bem, porque recordar é viver.
Em Pardilhó, fomos felizes todas as férias de verão. Lá viviam as tias Zulmira e Aida, ambas solteiras e "mães" da Lita, que nutria por elas um amor carregado de ternura. Até devoção. Outra tia, a Lurdes, também "mãe", vivia em Aveiro e a Pardilhó voltava com frequência.
Num ambiente de dedicação plena, partilhávamos fraternidade em tudo o que fazíamos e planeávamos. Saídas à praia da Torreira, em cuja mata passávamos horas em piqueniques previamente organizados com todo o rigor, onde nada faltava para miúdos e crescidos.
A visita à praia, para molhar os pés, não podia fugir ao esquema. Mais para andar pelo areal e arredores do que para mergulhar nas águas normalmente frias. Não havia muito o gosto pelo mergulho nem sequer apetência pelo bronzeado. Acho que nos bastava o moreno natural da nossa pele. Havia na praia a merenda também preparada antecipadamente.
Os nossos filhos, naturalmente pequenos, deliravam com o carinho dispensado pelas tias. O amor que lhes tinham era notório.
Quando da Gafanha da Nazaré nos deslocávamos a Pardilhó, em qualquer altura do ano, a alegria deles expressava-se em crescendo evidente. Cantavam, exteriorizando o prazer que adivinhavam na hora do encontro. Certo e sabido.
Nas férias de Pardilhó a saúde de todos era normal. Comia- se de tudo e nada fazia mal. Era uma alegria. Depois não faltava o encontro com outros familiares e amigos e os bancos do largo central, junto à igreja de S. Pedro, eram cúmplices de conversas infindas. Como sala de visitas da freguesia, o largo, constituído por dois espaços distintos, proporcionava o reencontro com pessoas que não se viam há muito.
Nessas férias, anos e anos repetidas, havia passeios obrigatórios à Ribeira da Aldeia, com canal da ria cheio de moliceiros, bateiras e mercantéis, estaleiros à vista com carpinteiros e decoradores em ação, moliço que salta dos barcos para os carros de vacas, garotos que nadam na laguna, emigrantes que chegam e olham nostálgicos tempos que não voltam. Um ou outro pescador regressa da faina, enquanto alguns partem indagando dos melhores pesqueiros. Um serralheiro com graça e sentido comercial afixou, numa janela de sua casa, uma publicidade curiosa: "Fisgas que ensinam a pescar." Destinavam-se elas à pesca clandestina de solhas e linguados.
Recordo ainda o pão fresco da padaria do Álvaro, de sabor único. Pão de forma normal e de coroa, este o mais apetecido. Nunca lhe conheci o segredo, mas que era excelente, lá isso era.
Pardilhó era uma terra de muita migração. A falta de trabalho obrigou bastantes pardilhoenses a fixarem-se em Lisboa. A minha esposa, por exemplo, tinha na capital seis tios com suas famílias. Porém, nas férias, muitos vinham à terra natal para matar saudades, resolver problemas familiares e conviver com os amigos. Agosto era, sem dúvida, um mês de festa, com movimento desusado. E toda a minha família gostava das férias nesta altura do ano.
FM