não desmerece nada dos Descobrimentos
Valdemar Aveiro, 75 anos, capitão da Pesca do Bacalhau, acaba de reeditar “80 Graus Norte – recordações da Pesca do bacalhau”, agora em formato clássico, com a chancela da Editorial Futura. Para além de capitão, “foi um grande pescador e um grande homem”, no dizer de um seu tripulante, que recordou, com emoção, conversas muito próximas com o seu amigo comandante, olhando o mar onde procuravam o fiel amigo com entusiasmo nunca regateado.
Tendo Aveiro por apelido familiar, nasceu em Ílhavo, mas habituou-se a conviver com gafanhões desde menino, com sete anos, quando acompanhava sua mãe, vendedeira, por terras da Gafanha. Depois casou na Gafanha da Nazaré e está na história da Pesca do Bacalhau à linha, e não só.
O seu gosto pela escrita remonta à sua juventude, quando os amigos lhe pediam que escrevesse cartas de amor para as suas namoradas. Contudo, nunca se arriscou a escrever ficção, porque a arte de criar personagens, como fazem os ficcionistas, não lhe está no sangue. Mas escrever e falar sobre a epopeia da Pesca do Bacalhau, “que não desmerece nada dos Descobrimentos”, é com ele. Para breve haverá um novo livro, onde recordará empresas, empresários, gente da nossa terra. Não se considera escritor, mas “um contador de histórias”
O seu entusiasmo pelas recordações de tudo quanto envolve a saga dos bacalhaus é paralelo à necessidade que sente pela preservação da nossa identidade, indissoluvelmente ligada ao mar, desde tempos anteriores à nossa nacionalidade.
Valdemar Aveiro garante que a Pesca do Bacalhau, entre nós, “tem exactamente a idade da nacionalidade; iniciou-se no dia em que Portugal começou como nação; os povos que passariam a ser portugueses já pescavam bacalhau nos séculos X e XI”. Por isso, lembra o nosso entrevistado, “é um erro dizer-se que Portugal só se voltou para a pesca do bacalhau no século XV”.
“Toda a minha vida li muito, sobretudo romances históricos, entre outras literaturas, e essa paixão pela leitura levou-me a procurar, com avidez, escritores portugueses, alemães, ingleses e até suecos, entre outros”, referiu o Capitão Valdemar. E acrescenta: “De todos colhi ensinamentos; não ia propriamente à procura deles, mas quando surgiam, interiorizava-os, utilizando-os quando escrevia os meus livros.” O gosto pela leitura terá afugentado o cigarro, porque nunca fumou, “o que é raro, entre os homens do mar”, frisa o nosso interlocutor.
Entretanto, lembra que somos os maiores consumidores do mundo de bacalhau seco, “talvez por tradição”, e lamenta o abate da nossa frota, imposta pela UE. Sublinha com mágoa que, em seu entender, “jamais será possível retornar à Pesca do Bacalhau, com a força com que dantes o fizemos”.
Considera que os nossos pescadores e outros profissionais do mar, que sofreram as consequências do abate de tantos navios, “tiveram grande capacidade para se adaptarem a novas actividades”.
Valdemar Aveiro diz que Portugal foi o último país do mundo a abandonar à pesca à linha, nos dóris, “por mentalidade dos nossos governantes e porque tínhamos mão-de-obra barata”. Porém, havia ainda a tradição e a questão cultural: “Os pescadores reviam-se nas histórias que ouviam dos seus pais e avós e alimentavam o sentido heróico que nos está no sangue”, explica.
Quando evoca os pescadores que mais de perto com ele conviveram, nos mares gelados da Gronelândia e da Terra Nova, e que o marcaram para a vida, o seu rosto como que se ilumina. E falou do seu primo Necas da Pardala, de Ílhavo, “o maior pescador de bacalhau de todos os tempos”, e dos gafanhões Alexandre da Barra, Aristides Nunes e dos Palões, “todos pescadores notáveis”, sintetiza.
Fernando Martins