A arte de governar
Estamos num recomeço: novo governo, novo programa, novos autarcas, novos responsáveis locais da grande cidade à pequena aldeia. Há já quem adiante que nada há de novo. Críticos e analistas afiam a pena e a palavra para descobrir apenas o mesmo.
Mas desta vez os ovos não estão todos no mesmo cesto. Sem maioria absoluta os poderes estão repartidos, e as minorias ganham outra dimensão e responsabilidade. Com novos jogos de maiorias e minorias podemos, por um lado, ser conduzidos aos indesejáveis tempos da ameaça constante da queda do governo – e com isso da permanente cilada para recomeçar sempre no dia seguinte. Mas por outro lado assumimos a responsabilidade mais repartida. De modo a estimular a procura de soluções tanto pelos que governam como pelos que estão na oposição. O País constrói-se com todos. Possivelmente mais com os pequenos empreendimentos multiplicados, do que com dependências de poucos-grandes-grupos com a decisão final em todos os momentos em que se joga o pão de cada dia.
O pão de cada dia é um conjunto de bens essenciais a que todos têm direito. Variam necessariamente com a evolução dos tempos e as novas aquisições que o desenvolvimento humano, social e tecnológico permite. E há urgência de pão para a mesa dos desempregados, de muitos idosos, dos desencantados da vida.
Mas esse pão também se define pelos valores que alimentam uma comunidade. Na cultura, na arte, nas dimensões espirituais que dão sentido à vida, na procura dum futuro aberto aos novos sinais que a ciência, as humanidades, a tecnologia, a espiritualidade oferecem.
Um programa de governo desde o nível nacional ao mais longínquo recanto dum país precisa ter em conta este todo para não reduzir o futuro a um grupo de robots sem alma nem afecto. Nenhum governo tem capacidade e autoridade para distorcer este direito fundamental dum povo. Nenhuma oposição tem direito a jogos rasteiros de perturbação política ou social deixando pelo caminho projectos de crianças e jovens, e direitos sagrados de adultos e idosos que com o seu trabalho constroem ou construíram o que nós somos.
O terreno que se abre com “novos governos” é uma responsabilidade repartida por todos. Onde ninguém tem o direito de ficar de fora ou de expulsar quem quer que seja.
António Rego