quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Saramago - Aí para baixo é a ria de Aveiro


«É um momento solene. Aí para baixo é a ria de Aveiro, quarenta quilómetros de costa, vinte quilómetros para o interior, terra firme e água rodeando, todas as formas que podem ter as ilhas, os istmos, as penínsulas, todas as cores que podem ter o rio e o mar. O viajante fez bem as suas orações: não há vento, a luz é perfeita, as infinitas águas da ria são um imóvel lago. Este é o reino do Vouga, mas não há-de o viajante esquecer as ajudas da arraia-miúda dos rios, ribeiras e ribeirinhos que das vertentes das serras da Freita, de Arestal e do Caramulo avançam para o mar, alguns condescendendo afluir ao Vouga, outros abrindo o seu próprio caminho e encontrando sítio para desaguar na ria por conta própria.
Digam-se os nomes de alguns, de norte para sul, acompanhando o leque desta mão de água: Antuã, Ínsua, Caima, Mau, Alfusqueiro, Águeda, Cértima, Levira, Boco, fora os que só têm nome para quem vive à borda deles e os conhece de nascença. Se este tempo fosse de estivais lazeres, estariam as estradas em aflição de trânsito, as praias em ânsia de banhos, e nas águas não faltariam as embarcações de folguedo mecânico ou à vela. Mas este dia, mesmo de tão formoso sol e de tão aberto céu, é de alto Inverno, nem sequer está a Primavera em seus primeiros ares. 
O viajante, pelo menos assim quer acreditar, é o único habitante da ria, além dos seus naturais, homens e bichos da água e da terra. Por isso (todo o bem há-de ter sua sombra) estão as salinas desertas, os moliceiros encalhados, os mercantéis ausentes. 
Resta a grande laguna e a sua silenciosa respiração azul. Mas aquilo que o viajante não pode ver, imagina, que também para isso viaja. A ria, hoje, tem um nome que bem lhe quadra: chama-se solidão, fala com o viajante, ininterruptamente fala, conversas de água e limosas algas, peixes que param entre duas águas, sob a reverberação da superfície. 
O viajante sabe que está a querer exprimir o inexprimível, que nenhumas palavras serão capazes de dizer o que uma gota de água é, quanto menos este corpo vivo que liga a terra e o mar como um enorme coração. O viajante levantou os olhos e viu uma gaivota desgarrada. Ela conhece a ria. Vê-a do alto, risca com as pendentes patas a polida face, mergulha entre o moliço e os peixes. É caçadora, navegante, exploradora. Vive ali, é ao mesmo tempo gaivota e laguna, como laguna é este barco, este homem, este céu, esta profunda comoção que aceita calar-se.» 

José Saramago 
“Viagem a Portugal”, 1981 

Isabel dos Santos e as fortunas fáceis

Isabel dos Santos 
Com razão, criticamos os que enriquecem rapidamente sem possuírem ordenados por aí além, sem grandes heranças e sem negócios reconhecidamente rentáveis. De um dia para o outro, apresentam-se  na praça pública de brutos carros, férias de sonho, moradias de luxo e hábitos de vida sumptuária. De onde lhes vem o suporte para tudo isso? Está no segredo dos deuses. 
Porém, quando se trata de figuras públicas, nomeadamente, políticos e empresários, ninguém escapa à possível denúncia do povo que se sente traído pela confiança nelas depositada. E a comunicação social encarrega-se de denunciar segredos, que os poderes judiciais não terão tempo nem pessoal para investigar ou sequer procurar saber a origem dos rendimentos patentes aos olhos de toda a gente.
O caso de Isabel dos Santos saltava à vista. Todos se espantavam com os seus investimentos e negócios de projeção internacional, mas ninguém ousava alertar o mundo para o que se passava em Angola. Seu pai,  José Eduardo dos Santos, seria o escudo oficial que protegia fortunas acumuladas por sua filha, deixando na miséria milhões de angolanos. Sem dó nem piedade. O ex-presidente até poderá declarar que nunca se meteu em negócios nem rascunhou cartas de recomendação para sua filha Isabel singrar na alta finança. Nem seria preciso. O apelido “dos Santos” seria o suficiente. 
Felizmente, a democracia conseguiu impor-se e o novo Presidente da República, João Lourenço, abre as portas dos cofres fortes para mostrar que estão vazios. 
Há, como não podia deixar de ser, cúmplices em Portugal e um pouco por toda a parte, alguns dos quais terão comido do mesmo saco, direta ou indiretamente. E agora, curiosamente, não sabem de nada.
Aguardaremos as conclusões das investigações em curso com serenidade. Não podemos acreditar que tudo venha a cair em saco roto.

Fernando Martins

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Para recordar Camilo Castelo Branco

Coloquei, na coluna lateral do meu blogue,  o rosto da capa de uma antologia com textos da obra do conhecido [julgo eu] escritor Camilo Castelo Branco, autor que tanto me fascinou na minha juventude. Importa, porém, sublinhar que esta antologia — Histórias do meu tempo — foi organizada e prefaciada por José Viale Moutinho para a editora Temas e Debates, merecendo o meu aplauso, em jeito de quem recomenda a sua leitura aos que leram, há muito,  o consagrado homem de letras, um tanto ou quanto caído no rol do esquecimento. 
Numa época, como a nossa, tão cheia de propostas de leitura, entre outras tão envolventes como TV, cinema, teatro, revistas, jornais em papel e online, mais telemóveis, mais novos escritores, etc., não há, realmente, tempo para reler os nossos clássicos. Algumas editoras, contudo, têm sabido dar a volta à nossa distração, oferecendo-nos antologias que nos permitem matar saudades. 
A edição, diga-se de passagem, é excelente.

F. M. 

O Dia Mundial da Religião quer promover a paz entre os povos


Hoje, 21 de janeiro, celebra-se  o Dia Mundial das Religiões (DMR). A palavra religião provém do latim e significa a restauração da relação entre o Homem/Mulher e o Universo Sagrado de diversas sensibilidades, culturas e povos. 
O DMR celebra-se desde 1949 com a preocupação de promover a união das religiões, na convicção de que, deste modo, o mundo poderá vir a ser mais fraterno. 
Infelizmente, por muito que se fale e escreva com aquela preocupação, a verdade é que, neste universo de tantos povos e tantas religiões, ainda há quem mate e explore em nome de Deus.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Azulejos na Gafanha da Nazaré


Distingui hoje, na "Fotografia da semana", azulejos da nossa terra, como sinal de interesse para a cultura das Gafanhas. Tenciono fotografar outros quando os topar a jeito nas minhas curtas caminhadas. E pergunto: Haverá algum estudo sobre os azulejos ainda existentes em moradias da Gafanha da Nazaré? Gostaria de o conhecer. 

Saudades

Praia da Vagueira
Com o frio que sentimos, tenho saudades destas paisagens quentes que a maresia torna apetecíveis. Falta muito para as podermos usufruir? Quem espera sempre alcança.
Boa semana.

Moliceiro - Fim sem honra nem glória



Decerto depois de uma vida longa ao serviço dos homens e das paisagens lagunares, o velho moliceiro foi abandonado sem honra nem glória. Assim os objetos e as pessoas... Terminada a beleza, acaba a vida, na opinião de muitos...