domingo, 26 de abril de 2020

NÃO DEIXAR NINGUÉM PARA TRÁS

Crónica de Bento Domingues 
no PÚBLICO

«A nova prioridade vai ser a mais complicada. Será possível vencer a exuberância das manifestações recíprocas e espontâneas sem anestesiar a cordialidade?»

1. Certos acontecimentos pedem-nos disponibilidade para intervir e pensar o mundo de novo. Diz-se que os portugueses são repentinos perante desafios inesperados, mas pouco constantes em se manterem abertos aos problemas novos que acontecem na vida social, política, científica e cultural do nosso tempo.
Desconfio destas caracterizações algo aforísticas. Parece-me que os nossos decisores políticos, sem autoritarismo, foram acertando o passo para tentar um objectivo complexo sintetizado pelo primeiro-ministro: “A primeira prioridade foi conter a pandemia sem matar a economia. A nova prioridade que temos agora é a de reanimar a economia sem deixar descontrolar a pandemia. Há uma coisa que sabemos: não podemos morrer da cura.” [1]
A nova prioridade vai ser a mais complicada. Será possível vencer a exuberância das manifestações recíprocas e espontâneas sem anestesiar a cordialidade? Já teremos interiorizado que, à solta, continuamos a ser uma ameaça de contágio e de sermos contagiados, deitando a perder o que foi conseguido no isolamento?
Perante esse perigo não se pode obedecer apenas aos impulsos do sentimento e ao arbítrio individual. As orientações elaboradas, de forma convergente, pela DGS e pelas diversas instâncias dos poderes legítimos, devem merecer a nossa atenção. Dado que a liberdade de expressão, em Portugal, não está posta em causa, é sempre possível apontar o dedo aos abusos. Mas o mundo não se reduz a Portugal, à União Europeia, aos paraísos dos ricos, nem às ânsias das confissões religiosas – que têm manifestado um sentido exemplar da responsabilidade – em reabrir as suas portas.

Conversão, Dia da Terra, 25 de Abril

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias

Numa experiência diferente do tempo, um tempo parado, vazio, parece, por um lado, que nada acontece de especial, por outro, na medida em que se está atento, percebe-se que a vida está aí para ser vivida e em interrogação constante. O vírus invisível e global isso fez: obrigou a parar e a pôr as perguntas essenciais. O que aí fica são algumas notas sobre este tempo novo. 

1. São muitos os que se perguntam se vamos sair melhores, na convicção de que sim. Por mim, espero que sim, mas temo que, passada a catástrofe, tudo volte exactamente ao mesmo. Não esqueço aquelas palavras de Primo Levi que, ao sair de Auschwitz, constatou que “não saímos nem melhores nem mais sábios”. E viaja pelas redes sociais uma “graça”, talvez, infelizmente, verdadeira: “Vamos sair melhores?” – “Não. Porque isto é um vírus, não é um milagre”. 
No entanto, é de um milagre que precisamos, ao sair deste pesadelo: sair melhores e mais sábios. Para isso, não se trata de mudar apenas isto ou aquilo, é urgente mudar o modo de pensar. Precisamos de uma conversão, como manda o Evangelho. Frequentemente, traduz-se essa conversão por “fazei penitência”, mas o que lá está é o verbo grego: metanoiête, que quer dizer: mudai o vosso modo de pensar, mudai a vossa mentalidade, começai a pensar de modo outro e a agir em consequência. Qual é o propósito da vida, o seu sentido mais profundo? É enriquecer, produzir cada vez mais, consumir sempre mais? Ou o bem-estar, o viver bem, num mundo que é de todos, na entreajuda para maior alegria e mais felicidade no sentido autêntico? Queremos continuar na religião de um progresso sem limites, que aliás não é possível num mundo que é finito, limitado? Não queremos viver melhor, com moderação, sem explorar a Mãe Terra nem os outros nem a nós, dentro de um modelo de progresso que assenta num montão crescente de vítimas? Talvez o nosso engano seja este: em vez de vivermos aqui, agora, vivermos, alienados, numa concepção de tempo, que é o tempo que a modernidade inventou: o passado é apenas o ultrapassado e o presente apenas a rampa de lançamento para um futuro de progresso sem fim. Mas, assim, neste modelo, quando vivemos e somos verdadeiramente?

sábado, 25 de abril de 2020

AS PORTAS QUE ABRIL ABRIU


Celebra-se hoje o “25 de Abril”, a revolução dos cravos de 1974 que pôs fim a uma ditadura de quase meio século. Já não serão muitos os que viveram aquela data que tem marcado as mais recentes gerações em espírito democrático. Há eleições a nível nacional e local que todos conhecem, mas nem sempre agem com a participação cívica que a democracia merecia e merece. Se é verdade que uma elevada percentagem de portugueses vive indiferente às eleições, também é certo que o direito de escolha não está vedado a ninguém. Isso significa que muitos compatriotas precisam de ser esclarecidos a partir das famílias, dos bancos das escolas e por todas as formas de convencimento, até porque só terá o direito de contestar os serviços prestados pelos eleitos, nos diversos cargos autárquicos ou de âmbito nacional, quem vive com autenticidade a democracia. 
O 25 de Abril abriu portas outrora trancadas a muitos homens e mulheres: o direito à liberdade de opinião e de expressão, oral e escrita, à escolha democrática, à participação cívica, à livre associação, ao culto religioso, à frequência escolar de todos os níveis, ao sindicalismo, ao respeito pelas ideias próprias e dos outros; homens e mulheres passam a viver em pé de igualdade com direitos e deveres no campo da intervenção profissional, empresarial, social, desportivo, artístico, académico e familiar. Seria interminável a lista das portas que o 25 de Abril abriu. 
Em 2010, aquando da celebração dos 100 anos da nossa freguesia, escrevi um texto alusivo ao “25 de Abril” que pode ser lido aqui.

Fernando Martins

sexta-feira, 24 de abril de 2020

CORAÇÃO HUMANO AO RITMO DO RESSUSCITADO

Reflexão de Georgino Rocha 
para o Domingo III da Páscoa 

A distância geográfica de Jerusalém a Emaús é relativamente curta, mas simboliza um itinerário exemplar de iniciação que, normalmente, os candidatos à vida cristã e inserção eclesial estão chamados a percorrer. Outrora, os discípulos eram Cléofas (que significa celebração) e o seu inominado companheiro/a (talvez cada um/a de nós, ao longo dos tempos).
Regressam à aldeia, após o fracasso das suas expectativas provocado pelo desfecho trágico da vida do seu mestre, Jesus de Nazaré. Dão largas a este estado de espírito, lamentam o sucedido e “sonham” retomar um passado que não volta. Alimentam e ampliam a amargura da frustração, “curtida” em conversas e atitudes. Sem horizontes de futuro onde brilhe qualquer “semáforo” de esperança. Amarrados a um presente marcado pelas chagas ainda em ferida viva e sangrante, carregam as gratas recordações de um tempo feliz e vivem à procura de sentido para a etapa que se avizinha. Têm memória e, com tom de amargura, relatam os factos em pormenor! Lc 24, 13-35.
O diálogo com o desconhecido, que se faz companheiro, mostra a dolorosa situação em que se encontram e os rumores incríveis que começavam a surgir. Constitui uma excelente amostra do sentir de tantos contemporâneos nossos, uma boa referência para lançar pontes de contacto e iniciar uma viagem comum, com o ritmo cadenciado dos passos de cada um e com a franqueza do coração aberto de todos. Agora somos nós os peregrinos de Emaús. Que tempos felizes recordamos da nossa experiência de Jesus?

quinta-feira, 23 de abril de 2020

DIA MUNDIAL DO LIVRO

Singela homenagem ao grande Camilo
Dia Mundial do Livro celebra-se hoje, 23 de abril, com o objetivo de sublinhar a importância da leitura e de lembrar que os livros são fontes extraordinárias de formação, informação e cultura. 
Como leitor diário, não ficaria de bem com a minha consciência se não alertasse os meus amigos para a mais-valia que os livros representam na minha formação a diversos níveis. Ajudam-me a compreender o mundo, a aceitar o pensar e o agir das pessoas pela positiva, a valorizar a sensibilidade criativa dos poetas e romancistas, a descobrir o trabalho incansável dos historiadores, a perceber a oportunidade e cultura de cronistas, a aceitar a capacidade de síntese dos contistas, a saborear a espiritualidade dos místicos, contemplando-me com a arte, enfim, de todos os que, com paixão, me brindam com livros que ocupam cantinhos especiais das minhas estantes. 
Não seria preciso dizer que há livros que me marcaram para a vida, que outros mereceram o caixote do lixo, que vários me deram alegrias, que bastantes me comoveram, que outros me fizeram pensar imenso, que tantos me desiludiram, mas faço-o para mostrar a minha convicção. 
Os livros são, realmente, os nossos grandes amigos: São pacientes, disponíveis, silenciosos, fontes de saber, generosos, sempre jovens mesmo quando antigos, mas ainda são conselheiros prudentes e inspiradores. 

Fernando Martins

quarta-feira, 22 de abril de 2020

DIA MUNDIAL DA TERRA - A TERRA PRECISA DE CARINHO

O planeta terra precisa do nosso carinho
O Dia Mundial da Terra celebra-se neste dia, 22 de Abril, tendo sido criado em 1970 para sensibilizar todo o mundo para a defesa de um planeta sem poluição, como garantia de um ambiente onde os seres vivos possam usufruir de melhores e mais dignas condições de felicidade. Importa, todavia, sublinhar que tudo seria mais fácil se a humanidade se envolvesse em pleno para levar por diante esse desiderato, mas há sempre quem ponha de lado tais propósitos, olhando apenas para o desenvolvimento económico a qualquer custo no imediato, sem pensar no dia de amanhã. A ganância economicista tudo amarfanha, sem olhar às consequências desregradas da produção industrial e do consumo egoísta e sem regras. 
Apesar de tudo isso, não têm faltado campanhas e alertas que envolvem milhões de pessoas de todos os continentes na ânsia de travar o caos no máximo a nível do ambiente e da qualidade de vida dos seres vivos sobre a Terra, mas não falta quem teime em ignorar todas as recomendações que saem periodicamente das assembleias organizadas para o efeito e subscritas em convenções pela maioria dos países do mundo. 
Instituições, escolas, igrejas, organizações de todo o tipo e famílias podiam e deviam pensar na defesa do ambiente durante todos os dias de todos os anos e não apenas no dia 22 de Abril... A Terra tem inúmeras capacidades, mas o desgaste é notório em vários quadrantes. A Terra precisa do nosso carinho.

F. M.

terça-feira, 21 de abril de 2020

FALAR COM AS FLORES

Flor do nosso jardim
Tenho para mim que as flores, de jardim ou silvestres, têm algo de divino. Quando passo por elas, não resisto à tentação de parar para as contemplar. E depois das formas, tonalidades e cheiros que inebriam, até sinto vontade de lhes falar. Bagão Félix, um profundo conhecer, mesmo apaixonado, de plantas, disse um dia, numa entrevista, que costuma falar com elas e acariciá-las. E ainda afirmou que pressente que as plantas o entendem. Não cheguei a esse ponto, mas que gosto de flores, lá isso gosto. 
Boa semana, de preferência a passear por um jardim, quando puder, e a tentar falar com as flores. 

F. M.

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