Reflexão de Georgino Rocha
para o Domingo III da Páscoa
A distância geográfica de Jerusalém a Emaús é relativamente curta, mas simboliza um itinerário exemplar de iniciação que, normalmente, os candidatos à vida cristã e inserção eclesial estão chamados a percorrer. Outrora, os discípulos eram Cléofas (que significa celebração) e o seu inominado companheiro/a (talvez cada um/a de nós, ao longo dos tempos).
Regressam à aldeia, após o fracasso das suas expectativas provocado pelo desfecho trágico da vida do seu mestre, Jesus de Nazaré. Dão largas a este estado de espírito, lamentam o sucedido e “sonham” retomar um passado que não volta. Alimentam e ampliam a amargura da frustração, “curtida” em conversas e atitudes. Sem horizontes de futuro onde brilhe qualquer “semáforo” de esperança. Amarrados a um presente marcado pelas chagas ainda em ferida viva e sangrante, carregam as gratas recordações de um tempo feliz e vivem à procura de sentido para a etapa que se avizinha. Têm memória e, com tom de amargura, relatam os factos em pormenor! Lc 24, 13-35.
O diálogo com o desconhecido, que se faz companheiro, mostra a dolorosa situação em que se encontram e os rumores incríveis que começavam a surgir. Constitui uma excelente amostra do sentir de tantos contemporâneos nossos, uma boa referência para lançar pontes de contacto e iniciar uma viagem comum, com o ritmo cadenciado dos passos de cada um e com a franqueza do coração aberto de todos. Agora somos nós os peregrinos de Emaús. Que tempos felizes recordamos da nossa experiência de Jesus?
O novo companheiro escuta, com delicada atenção, a resposta à pergunta que lhes fizera. E após uma breve censura, toma a palavra e faz--lhes a explicação do sucedido, situando-o no contexto das Escrituras. À medida que fala, o coração dos caminhantes gera novos sentimentos e vibra com novos ritmos que surgem progressivamente: coração sem esperança e incapaz de ver as luzes que começam a despontar; coração acolhedor do estranho que se faz companheiro e dialoga, sem reservas; coração aberto à intervenção de Jesus que narra tudo o que nas Escrituras lhe diz respeito; coração transformado, “a arder”, que deseja permanecer com o desconhecido a quem oferece hospedagem e convida para uma refeição; coração agradecido que reconhece a nova forma de presença de Jesus nos sinais do pão e do vinho (eucaristia); coração entusiasmado no amor e pressionado pela novidade da experiência feita que quer contar aos discípulos; coração enternecido que recebe a alegre notícia dada pela comunidade reunida: “O Senhor ressuscitou e apareceu a Simão”.
José António Pagola, teólogo espanhol, condensa a referida caminhada espiritual em dois núcleos principais: A palavra que recorda Jesus, vence a nossa apatia e começa a aquecer o coração; a eucaristia que é Jesus connosco e nos abre os olhos da fé (Lucas sublinha com alegria: Jesus entrou para ficar com eles), Deste núcleo, brota como uma torrente de água cristalina, a liberdade de partir em missão, sem medo das noites nem limites de cansaços. Como os de Emaús.
“Estas são as duas experiências chave: sentir que o nosso coração arde ao recordar a sua mensagem, sua actuação e sua vida inteira, sentir que, ao celebrar a eucaristia, a sua pessoa nos alimenta, nos fortalece e nos consola. Assim cresce na Igreja a fé no Ressuscitado”.
O Ressuscitado marca o ritmo que o coração humano pressente e procura assumir. Felizmente!
Pe. Georgino Rocha