DOMINGO XX
A declaração de Jesus não pode ser mais provocadora: “Eu vim trazer o fogo à terra e que quero Eu senão que ele se acenda? … Pensais que Eu vim estabelecer a paz na terra? Não. Eu vos digo que vim trazer a divisão”. Lc 12, 49-53. Desde agora “a coisa” é outra: fogo que incendeie; divisão que gera paz.
Os discípulos, como nós ainda hoje, devem ter ficado chocados e perplexos. Ainda que Lucas – o autor da narrativa – tenha juntado, num só texto, várias sentenças, a mensagem surge tão radical que deixa intrigados a todos. E, naturalmente, nasce o espírito da busca do sentido mais profundo, o impulso da curiosidade mais abrangente do contexto, a força do desejo de verificar a coerência do proceder de Jesus.
“As palavras de Jesus sobre o fogo que veio trazer, afirma Manicardi, recordam à nossa cristandade cansada e às nossas velhas Igrejas que o cristianismo é vida e fogo, paixão e desejo, aventura e beleza”. E cita o pensamento de Atenágoras, patriarca de Constantinopla: “O cristianismo não é feito de proibições: é vida, fogo, criação, iluminação”.
A caminhada para Jerusalém, cidade onde Jesus receberá o baptismo de que fala o nosso texto, continua. Aqui vai ocorrer o enfrentamento com os adversários – defensores da ordem estabelecida que, em muitos pontos fundamentais, contraria a proposta de Deus de que Jesus é portador e anunciador. Aqui vai manifestar-se, publicamente, quem está a favor ou é contra. Aqui ergue-se, humilhante, a cruz dolorosa que viria a ser transformada em Cruz gloriosa na manhã de Páscoa.