Quando eu e o meu irmão participámos no Cortejo
No domingo, 11 de Janeiro [2009], vivi o Cortejo dos Reis experimentando a proximidade com as pessoas, muitas delas envolvidas na vivência desta antiga e sempre renovada tradição. Para quem gosta da sua terra, o encontro com alguns conterrâneos proporcionou-me a oportunidade de voltar aos tempos em que eu, menino, com meu irmão, mais novo três anos, participámos no Cortejo dos Reis, de uma ponta à outra, cada um com a sua cana às costas. Na ponta da cana lá ia a prenda para o Menino Jesus. Não consigo recordar toda a pequena carga, mas dela fazia parte um chouriço, um pequeno bacalhau e umas laranjas. Tudo o mais se varreu. Mas também é verdade que os nossos frágeis ombros não suportariam muito mais.
O meu pai levou-nos até Remelha, de bicicleta, como era hábito na altura, entregando-nos ao cuidado de pessoa sua conhecida. Ainda me lembro de ouvir a minha mãe dizer que estaríamos assim a pagar uma sua promessa, coisa que na altura não compreendi. Mas se ela dizia que tínhamos de ir no Cortejo, não haveria razões para discordar.
Recordo-me, com que saudade, de que, mal o cortejo chegou à igreja, eu e o meu irmão corremos para casa com os presentes ao ombro. Estava terminada a promessa. Quando entrámos na cozinha, os meus pais ficaram admirados e logo nos questionaram:
- Então não deixaram os presentes para o Menino Jesus, como vos recomendei?
Respondemos com o silêncio.
A minha mãe, mulher prática, resolveu a situação.
- Vai lá, Armando, e paga os presentes.
E assim foi.
Afinal, as tradições são sempre excelentes motivos para reconstruirmos as nossas histórias de vida.
Fernando Martins
NOTA: Cortejo de 2009