sábado, 20 de outubro de 2012

A economia é tudo menos uma ciência exacta.

O monoteísmo do capital financeiro e a felicidade

Por Anselmo Borges


De finanças o meu conhecimento é praticamente nulo. De ciência económica, quase. Mas não fico muito aflito, pois o que noto é que entre os economistas a confusão é imensa, tornando-se cada vez mais claro que, afinal, a economia é tudo menos uma ciência exacta.
Mas vamos ao capital, que é mesmo capital, como diz o étimo: caput, capitis (cabeça), necessário e até essencial para a existência humana. Seguindo em parte uma taxonomia de P. Bourdieu, X. Pikaza apresenta os diferentes sentidos de capital.
Nos capitais simbólicos, encontramos o capital sócio-cultural - o conjunto das riquezas simbólicas dos grupos e da humanidade, começando na língua e continuando nas tradições, nas esperanças de futuro, nas artes e tecnologias, nos saberes tradicionais e nos novos saberes científicos e técnicos - e o capital ético, incluindo os diferentes domínios da vida, no plano social, laboral, jurídico, abrangendo, portanto, o capital político, jurídico, religioso...

Mas, quando se fala em capital, pensa-se fundamentalmente no capital monetário e financeiro. Evidentemente, também este é um capital simbólico, mas hoje é o dominante, acabando por subordinar os outros. O capital de consumo situa-se no mundo da vida, está ao serviço da vida e da produção de meios para o consumo, bem-estar e desenvolvimento da humanidade. Há um capital monetário ligado à produção e distribuição do poder, isto é, das relações sociais, no quadro dos valores humanos e da democracia, da distribuição dos meios que permitem a realização dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, num plano ético.
O problema maior é que nas últimas décadas se foi dando o triunfo do capital financeiro, sobretudo na sua vertente neoliberal, desligado da produção de bens materiais e da distribuição de bens sociais, para se transformar em fim em si mesmo, sem atender à vida das pessoas e acima dos próprios Estados, que devem garantir os direitos humanos e a igualdade dos cidadãos. Fim em si mesmo, domina os próprios mercados, que "já são mercados do capital".
Encontramo-nos diante do "perigo de um monoteísmo do capital financeiro, que aparece assim como o único Deus do nosso mundo. Um capital por cima da produção de bens e da administração da justiça dos Estados, um capital sem normas éticas, sem outra finalidade que não a do desenvolvimento do próprio capital nas mãos de poderes financeiros frequentemente sem nome."
Este capital toma conta de todos os outros, a começar pelo capital ético, e está na base de uma guerra em curso, que custa milhões de vítimas.
Esta situação exige reflexão, pois cada vez se torna mais clara a urgência de mudar globalmente de paradigma. Entretanto, é salutar saber de exemplos de solidariedade e ética, que animam a esperança e são sinal de que a humanidade verdadeira mora para outras bandas.
A gente nem quer acreditar, quando lê, em Isabel Gómez Acebo e no Courier International, o exemplo impressionante do presidente do Uruguai, José Mujica. Após a eleição, continua a viver na sua pequena casa, numa zona da classe média, nos arredores de Montevideu. Tem um salário de 12500 dólares mensais, mas dá 90%, vivendo com 1250 (que lhe basta, pois muitos concidadãos vivem com menos). A mulher, a senadora Lucía Topolansky, também dá a maior parte do seu salário. Como transporte oficial utiliza um Chevrolet Corsa. Durante o Inverno, a residência oficial servirá de abrigo aos sem tecto. Mandou vender a residência de Verão do presidente, e o resultado da venda destina-se, entre outros usos, à construção de uma escola agrária para jovens sem posses.
Na reunião do Rio+20, pronunciou um discurso especial. Aconselhou a uma mudança de vida, pois foi para sermos felizes que viemos ao mundo. Ora, na sociedade actual, vivemos completamente obcecados com o consumismo: trabalhamos para consumir sempre mais... tendo de pedir empréstimos que temos de devolver, e esquecemo-nos da felicidade. É este o destino da vida humana? Terminou, estimulando à luta pela conservação do meio ambiente, porque "é o primeiro elemento que contribui para a felicidade".

Fonte: DN

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