terça-feira, 7 de novembro de 2006

Um artigo de Alexandre Cruz

O aborto do bom-senso?
1. É muito interessante e óptimo demais o discurso do partido político radical. Em questão muito delicada – como o referendo ao Aborto -, assunto que exige capacidade de diálogo e confronto de ideias que sirvam a sociedade portuguesa (“para onde queremos ir?”), que considerar de um partido político com assento no parlamento quando nas suas palavras marca a agenda da seguinte forma: “A campanha (do BE) acentuará a sensatez e a decência contra a intransigência, o fanatismo e as agendas ocultas do ‘não’. Para o coordenador do BE no ‘sim’ (ao aborto) está a humanidade e a convergência.” (Jornal Público, 6 de Nov., pág. 9) A juntar a esta admirável declaração podem-se referir, no mesmo contexto de lançamento da campanha que é agora o único problema nacional, as palavras, também tão interessantes, de pessoa dirigente do mesmo partido político (com salários pagos, com tanto sacrifício, por todos os portugueses para servirem o bem comum), que sublinha que todos os que defendem o “não” ao aborto são “fanáticos e terroristas”. Mais maior qualidade de pensamentos e ideais – cada um fala do que lhe vai na alma! - pode, ainda, verificar-se e confirmar-se quando do outro partido político (com salários pagos, com tanto sacrifício, por todos os portugueses para servirem o bem comum) vem a reclamação de que este assunto nacional é propriedade do seu partido (tal como o embrião é propriedade da barriga da mãe), e que por isso todos os outros devem estar calados; leia-se opinião de Odete Santos: “Diga a RTP o que disser, a verdade é que no debate que organizou sobre um tema de inegável importância marginalizou o partido que mais se tem batido, denodadamente, pela despenalização do aborto, o PCP.” Por isso este será o partido que tem autoridade para declarar que “O debate mostrou que o “não” (ao aborto) vai continuar a utilizar a mentira, o terror e a hipocrisia”. (Jornal Público, 5 de Nov., pág. 8) Fica-nos a questão: será o aborto uma questão política? 2. São, assim, muitas, elegantes e cheias de sentido de responsabilidade e educação, as atribuições delicadas e simpáticas da campanha lançada por deputados para a sociedade portuguesa; eis-nos diante da exaltação degradante completa do resto de bom senso que, desta forma, apresenta as novas regras do jogo onde as palavras de ordem são o chamar ao “outro”, àquele que “pensa diferente”, de “fanático” e “terrorista”. Quase que dá vontade de lhes dizer: “acordem, não nos acordem!” O pior caminho desses nomeados partidos simpáticos é “atacar” sem ética os que pensam diferente; gente tão intelectual que ainda não entendeu que a sociedade no seu geral vive a “indiferença” adormecida e alienante e que esse caminho partidário radical acaba por virar o feitiço contra o feiticeiro; todo o fanatismo que critica o outro de “fanático”, espelho do vazio integrista de facções deste tempo, acaba por ser – QUANDO SE PENSA O QUE SE QUER DA VIDA E DA SOCIEDADE – mais um voto no sentido contrário. Na outra face da moeda, não se pode crer que haja futuro num indiferentismo – estratégico ou de puro descompromisso social - e num não optar em assuntos que, porventura, podem dividir a sociedade. Claro que são tantas, é natural, as temáticas que dividem a sociedade; mas quanto “silêncios” de quem não se sente livre?! Quantas vozes com ideias importantes a serem ditas para bem da sociedade que preferem o cómodo “deixa andar”?! Talvez seja oportuno e muito interessante – senão mesmo o mais importante – ler neste contexto a URGÊNCIA de um debate aberto, clarificador, diferenciador das palavras (tão caras) que estão em jogo; talvez, neste caminho cultural, seja cada vez mais importante o papel do PENSAR A VIDA e de quem nos ajude, com autenticidade e procura da Verdade, nessa tarefa indo ao fundo das questões e não lendo apenas no “apagar do fogo”, na visão utilitarista dos números ou dos casos de saúde pública. Já agora, que fazem esses senhores do abortismo político dia-a-dia no acompanhamento das pessoas, das situações, dos sofrimentos? 3. A intolerância dos partidos políticos radicais fala por si. Deputados à Assembleia da República a chamar “fanático” e “terrorista” ao outro que pensa diferente é esse sinal degradante inqualificável. É este o modelo de sociedade que se pretende? Nesta questão joga-se muito mais que o ficar pela “rama”; há uma “raiz” cultural que está a secar pois as “causas” de tudo estão quase esquecidas e investe-se de olhos tapados só nas consequências. Claro que ninguém quer ver pessoas julgadas, nunca, de maneira nenhuma numa sociedade com valores; mas claro que ninguém, primeiro de tudo pois no princípio está a vida, num estado de direito de dignidade humana poderá ver pessoas – ainda que invisíveis – mortas. Como criar pontes nesta complexidade? Esta é a questão essencial a debater. Haverá disponibilidade interior para o debate? Mas para “embelezar” mais a pintura eis que já há semanas, mudada a casaca de primeiro-ministro para líder partidário, faz-se o apelo – que distrai o país de outras questões - da modernidade civilizacional do acto de abortar; testemunho este confirmado pelos números de Portugal que (no dizer do Ministro da Saúde) faz poucos abortos. Não há palavras! Dizemos, já agora, talvez também fosse bom Portugal acompanhar a Europa nas realidades boas!... Definitivamente, se nós estivéssemos “lá” nesse século, teríamos de “ser como os outros” e seríamos absolutamente incapazes de ser diferentes. Não teríamos partido para a Índia nem seríamos capazes de abolir a escravatura (feliz novidade portuguesa em 1775). Não estava na moda! A realidade primeira que nos preocupa, pois sem ela nada feito, são as condições para o “diálogo”. A intransigência intolerância em relação ao “outro”, quando existe, é sempre o sinal de surdez e menoridade; estas impedem um crescer em dignidade humana de dia para dia.

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