Padre e professor de Filosofia
Deus é radicalmente questionado quando se é confrontado com a realidade brutal dos holocaustos da História e concretamente com a tortura e a morte dos inocentes. Neste domínio, é sempre incontornável a passagem célebre de Os Irmãos Karamázov, de Dostoiévski, em que Ivan Karamázov refere precisamente a crueldade exercida sobre as criança inocentes. "A ciência toda não vale as lágrimas das crianças", proclama. O que faremos com o sofrimento dos inocentes? Como se pode alguma vez justificar o injustificável? É tal a revolta de Ivan Karamázov que ele devolve respeitosamente a Deus o bilhete de entrada na harmonia final da história do mundo.
Em última análise, é o sofrimento e a morte que nos obrigam a pensar. Mas precisamente o sofrimento e a morte são o que a razão nunca entenderá, concretamente quando se trata do sofrimento e da morte das vítimas inocentes. É por isso que Miguel de Unamuno escreveu: "O mais santo de um templo é que é o lugar onde se vai chorar em comum". E acrescentava de modo dramático: "Um Miserere cantado em comum por uma multidão, açoitada pelo destino, vale tanto como uma filosofia."
O paradoxo é este: face ao calvário do mundo, Deus comparece perante o tribunal da razão. Por outro lado, para haver salvação, também e sobretudo para as vítimas inocentes, ela só pode vir de Deus. Deus tem de justificar-se, e, ao mesmo tempo, só ele pode justificar, isto é, salvar.