domingo, 16 de maio de 2021

Um não rotundo às teocracias

Crónica de Bento Domingues no PÚBLICO 

Deus e o Seu Cristo não precisam de gente pasmada a fazer de contemplativos. Não adianta celebrar o Pentecostes, no próximo Domingo, se não quisermos nascer de novo.

1. Estamos em Maio, o mês de algumas colheitas e laboriosas sementeiras. Já não é com os antigos rituais pagãos que se procura proteger e ajudar a múltipla fecundidade da natureza em festa. É possível que ainda subsistam algumas das suas expressões como, por exemplo, a tradição das maias e da espiga, mas já não exercem grande sedução.
O 1.º de Maio evoca e actualiza as reivindicações dos trabalhadores. A Igreja católica celebra S. José Operário e a devoção relança o começo do Mês de Maria. Em Portugal, desde o século passado, a movimentação religiosa está focalizada em Fátima, o nosso maior e mais visitado santuário mariano. Certa devoção mais exaltada consagrou-o como altar do mundo. O 13 de Maio é o momento mais alto de todas as peregrinações que passaram a ter edições mais breves durante todo o ano. Não creio que a pandemia vença a sua atracção religiosa.
Neste Domingo, o calendário litúrgico prescreve a celebração da Ascensão de Cristo. Julgo que não lembra a ninguém fazer, desse dia, a festa dos astronautas, mas a sua significação é extraordinariamente importante, na prodigiosa narrativa de S. Lucas, unificada e diferenciada em dois volumes. Não segue, em tudo, o esquema das outras narrativas do Novo Testamento.

sábado, 15 de maio de 2021

O perigo de um Deus bom

Crónica de Anselmo Borges no DN 

As primeiras comunidades cristãs reuniam-se e celebravam a Eucaristia com alegria nas suas casas, lembrando Jesus, a sua vida, a sua morte, a sua ressurreição, e anunciando a esperança da vida eterna plena: "Fazei isto em memória de mim."


1. Julgo que o que no Papa Francisco provoca mais a admiração das pessoas, dentro e fora da Igreja - talvez até mais fora - é ele ser um cristão. Por palavras e obras.
O que é ser cristão? É ser discípulo de Jesus, tentar viver como ele. Jesus é o autor da maior revolução da História, que consiste na revolução da imagem de Deus. Até pessoas que se dizem cristãs continuam com a ideia de que Deus manda epidemias, por exemplo, de que Deus precisou da morte do seu Filho Jesus para se reconciliar com a Humanidade. Pergunto: que pai ou mãe decentes exigiriam a morte de um filho? Em relação ao Deus que tivesse mandado o Filho ao mundo para, pela sua morte na cruz, poder aplacar a sua ira e reconciliar-se com a Humanidade só haveria uma atitude humanamente digna: ser ateu.
Na realidade, Jesus, veio, pelo contrário, revelar que Deus é Pai/Mãe, amigo de todos, que a todos dá a mão, que compreende e perdoa e quer a salvação de todos. Deus é Amor incondicional, "o seu nome é Misericórdia", diz o Papa Francisco, que faz como Jesus: anima a todos, dá a mão aos mais pobres, abandonados, marginalizados, denuncia a economia financeira especulativa e corrupta, que mata...

sexta-feira, 14 de maio de 2021

Regras da pandemia com exceções?


O que aconteceu com os festejos celebrativos da vitória do Sporting, o meu clube,  no campeonato de futebol deve fazer-nos pensar. As regras da pandemia foram, redondamente, postas de lado. Não houve autoridades capazes de evitar o pandemónio que se verificou, horas seguidas, sem qualquer respeito pelas normas estabelecidas. Desta feita com o Sporting, que andou 19 anos à espera do título de campeão de Portugal, amanhã com outras vitórias em qualquer modalidade desportiva.
O próprio Presidente Marcelo se referiu ao que aconteceu, dizendo que houve «uma leveza excessiva na ideia de criar condições para um aglomerado muito grande de pessoas em torno do estádio», sublinhando que o acontecido deve servir de lição para os futuros jogos de futebol, nomeadamente, a final da Taça de Portugal, em Coimbra, e a final da Liga dos Campeões, no Porto.
Ficamos por aqui para ver se as leis caíram em saco roto.

FM 

A Alegria e a Tristeza

Então, uma mulher disse:
-  Fala-nos da alegria e da tristeza. 
E ele respondeu: 
- Vossa alegria é vossa tristeza desmascarada.  E o mesmo poço que dá nascimento a vosso riso foi muitas vezes preenchido com vossas lágrimas. 
- E como poderia não ser assim?  
- Quanto mais profundamente a tristeza cavar suas garras em vosso ser, tanto mais alegria podereis conter.
- Não é a taça em que verteis vosso vinho a mesma que foi queimada no forno do oleiro?  
- E não é a lira que acaricia vossas almas a própria madeira que foi entalhada à faca? 
- Quando estiverdes alegres, olhai no fundo de vosso coração, e achareis que o que vos deu tristeza é aquilo mesmo que vos está dando alegria.  E quando estiverdes tristes, olhai novamente no vosso coração e vereis que, na verdade, estais chorando por aquilo mesmo que constituiu vosso deleite. 
Alguns dentre vós dizeis: 
- A alegria é maior que a tristeza, e outros dizem: 
- Não, a tristeza é maior. 
- Eu, porém, vos digo que elas são inseparáveis.

Khalil Gibran

In  O Profeta

A unidade dos discípulos

Reflexão de Georgino Rocha 
para o Domingo VII da Páscoa

Os passos dados a todos os níveis eclesiais, sobretudo ecuménicos, realizam de forma germinal o legado que Jesus nos deixou. Em fidelidade crescente, avancemos alegres e confiantes.

Jesus está na “ponta” final do seu ministério temporal. Os discursos, as parábolas, as sentenças e outras formas de comunicação cedem lugar à oração dirigida ao Pai em que abre o seu coração e revela as preocupações maiores que o animam. Não reza angustiado pela hora que se avizinha, nem por antever como os discípulos se iriam comportar. Não reza a lamentar-se, a pedir socorro ou coragem para enfrentar as horas que vão seguir-se. Jo 17, 11b-19.
A sua oração está centrada na unidade dos discípulos, na alegria da missão, na verdade que traduz a fidelidade possível à sua Palavra, quer dizer a Ele mesmo. Que Lhe sejam fiéis para que o mundo creia que é o enviado do Pai.
A equipa redatora do «Vers dimanche» introduz o seu comentário com este belo resumo: “Esta passagem do evangelho nos introduz no conteúdo da oração de Jesus. É um momento solene e grave em que todas as palavras contam. Ele dirige-se com confiança a seu Pai e todo o mistério da sua vida transparece: Pai, amor, unidade, verdade, palavra, santificar, enviar, mundo, maus/perseguidores. Entremos com humildade nas palavras desta oração e na dinâmica de unidade à qual nos convida”. Que belo convite que queremos aceitar com determinação e confiança.

quinta-feira, 13 de maio de 2021

Fátima - alavanca da humanidade

"Sem o pão não vivemos, mas não vivemos só de pão"

Recinto só com 7500 peregrinos

Fátima “é uma alavanca da nossa humanidade, um laboratório sem portas nem muros, sempre aberto para a esperança”, disse o Cardeal José Tolentino Mendonça, hoje,  no 13 de Maio, a cujas cerimónias presidiu como convidado. E frisou que a Mensagem de Fátima “convida ao sonho por uma nova humanidade”.

Assisti,  via televisão,  às cerimónias comemorativas do 13 de Maio em Fátima, presididas este ano pelo Cardeal Tolentino Mendonça. O recinto teria 7500 peregrinos, conforme estabeleciam as regras do coronavírus. Em circunstâncias normais, estaria repleto, com dezenas de milhares de peregrinos de todo o mundo, maioritariamente portugueses, que nutrem pela Senhora de Fátima uma devoção especial. Por Ela, são capazes dos maiores sacrifícios, peregrinando debaixo de calores abrasadores ou ventos frios, calcorreando caminhos duros e vencendo rampas agrestes.
Contudo, sabem que à chegada, olhando para a imagem de Maria, tudo esquecem, como que por milagre. Mas as multidões também são lenitivo para o sofrimento e é nelas que nos reconhecemos mais libertos, mais espontâneos, mais naturais.
José Tolentino Mendonça é uma personalidade multifacetada, que há muito admiro. Poeta, pensador, orador, cronista, biblista e teólogo,  ofereceu hoje, a quem o pôde ouvir  e ler, uma lição espiritual e humanista carregada de sentido e aberta ao futuro. “Fátima ensina como se ilumina um mundo que está às escuras. Seja o pequeno mundo do nosso coração, seja o coração do vasto mundo”, disse o cardeal português.
“A Fátima, nós peregrinos, chegamos sempre de mãos vazias. Mas de Fátima levamos, acordado dentro de nós, um sonho. Fátima ensina, assim, como se ilumina um mundo que está às escuras”, frisou.
Noutra passagem da sua homilia, o Cardeal Tolentino salientou: “Sem dúvida que é urgente garantir o pão e esse trabalho exigente – fundamentalmente de reconstrução económica – deve unir e mobilizar as nossas sociedades. Mas as nossas sociedades precisam também de um relançamento espiritual. Sem o pão não vivemos, mas não vivemos só de pão. Os maiores momentos de crise foram superados infundindo uma alma nova, propondo caminhos de transformação interior e de reconstrução espiritual da nossa vida comum”, explicitou.

FM

A arte é dom de quem cria

Painel de Jeremias Bandarra - Igreja da Costa Nova

                                                    A arte é dom de quem cria;
                                                    portanto não é artista
                                                    aquele que só copia
                                                    as coisas que tem à vista.

                                                            António Aleixo

Quando hoje escolhi esta quadra do nosso maior poeta popular – António Aleixo –, logo me veio à lembrança a reação de muita gente que tem dificuldades em entender certas expressões artísticas, sobretudo as que fogem do trivial.
Olhar para uma pintura abstrata, ouvir uma música clássica e apreciar uma escultura que se situa longe do figurativo são, frequentemente, motivo de desinteresse. Das duas uma: ou os artistas são malucos ou os apreciadores que olham de soslaio para o que eles criam ainda não estão educados para entender o que está acima do normalíssimo.
Penso que esta última asserção é que está certa.
Sendo verdade que a arte não pode nem deve ser apenas uma cópia do que os nossos olhos veem ou os nossos ouvidos escutam, há que fazer um esforço, com o intuito de educar os sentidos, para chegarmos mais longe. A arte é, essencialmente, não um retrato bruto e simples do que nos rodeia, mas o reflexo de sentimentos, emoções, perspetivas, imaginações e gosto estético do artista, que tem de ser, como diz Aleixo, um criador. Um criador é um artista que, do nada, faz obra que nos eleva, nos enriquece espiritualmente, nos sublima os instintos primários, nos suscita sentimentos do bem e do belo.

FM

Nota: Texto reeditado