"Em Portugal e no Mundo, há muitas referências
à dimensão religiosa e cristã na literatura dos últimos séculos"
1. A fonte de toda a teologia cristã é o chamado Novo Testamento (NT) que, por sua vez, é uma inovadora interpretação da Bíblia Hebraica ou, como é usual dizer-se, do Antigo Testamento (AT). Hoje, encontramos todos os livros da Bíblia de épocas, autores, géneros literários e línguas diferentes, encadernados num só volume. Podem dar a ilusão de constituírem apenas um livro, quando a própria palavra Bíblia significa livros. É preferível, por isso, falar de teologias e não de teologia do AT ou do NT. A expressão muito usada, como diz a Bíblia, não pode indicar nada de muito preciso.
Nessa biblioteca, coexistem, na teia contraditória das experiências humanas narradas, apresentações de Deus cheias de contrastes irredutíveis. O próprio Jesus diz, aos seus interlocutores rabínicos: disseram-vos, mas eu digo-vos. Sustentava muitas vezes o contrário do que vinha nas Sagradas Escrituras.
Para quem tem uma noção de livros divinamente inspirados, como ditados de Deus, pode ser levado a pensar que Deus não se levanta todos os dias com a mesma disposição, pois são-lhe atribuídas afirmações que não batem certo umas com as outras. A inspiração divina acontece através de múltiplas e complexas mediações humanas. Quando se afirma que a Bíblia é palavra de Deus importa não esquecer que se trata de uma metáfora para dizer que aquela literatura, sem a referência ao Deus sem nome, seria impossível.
Pelo caminho da sua escrita poética, narrativa, romanesca, sapiencial, a Bíblia revela a profundidade e a complexidade que nenhum dilúvio poderá vencer. Como nota o Prof. José Augusto Ramos, “poderíamos por isso, dizer, sem qualquer intenção de sectarismo, que, em termos históricos e culturais, a Bíblia hebraica completa é a Bíblia cristã. Uma antologia literária que começa no Génesis e termina muito bem no Apocalipse” [1].