No seu discurso inicial, o Presidente Sarkozy recordou uma frase escrita nas paredes da Sorbone, em Maio de 68, para dizer nesse dia ao povo francês que esse não podia ser o caminho para a renovação e desenvolvimento do país. A frase foi esta: “Viver sem obrigações e gozar sem trabalhar”. Era o ideal de muitos dos protagonistas desse dia.
Os tempos que vão correndo mostram que este parece ser ainda hoje o sonho de muita gente. O ambiente reinante vem, em muitos casos, ao encontro de quem assim pensa e deseja isso mesmo para si. Ganhar muito com pouco ou nenhum trabalho e sem esperar nem gastar tempo. O frenesim na procura do mais fácil e rentável, leva por vezes a entrar por caminhos enviesados e escusos, à margem da lei ou sob uma protecção duvidosa da mesma, permitido o aumento da corrupção, da marginalidade, da irresponsabilidade social. Tudo isto é possível, mesmo habitando-se vivendas vistosas, gozando da estima de uns e dos favores de outros. Uma clandestinidade com muitas abertas, que passa desapercebida a quem só olha para o lado e, quando os olhos se abrem, logo a luz os incomoda.
As obrigações, que tantos rejeitam e que podemos traduzir por deveres e compromissos pessoais e colectivos, pressupõem consciência de responsabilidade, sujeição a normas de conduta, compreensão do bem comum, participação activa na construção de uma comunidade de direitos e deveres, abertura à mútua colaboração, espírito de serviço e de disponibilidade, capacidade de convivência salutar e de verdadeiro discernimento. Só neste clima se pode esperar a satisfação dos legítimos direitos de cada um e de todos. Então, tem sentido a luta pelos mesmos direitos, quando não reconhecidos, negados ou dificultados
Ninguém ignora que governar, até a própria casa, é uma tarefa cada vez mais difícil e penosa. Muita gente não quer regras, a obediência traduzem-na por sujeição de escravos, cada um sabe sempre mais do que os outros e só o que o que ele faz e diz é que tem valor e mérito. Os outros existem para incomodar quem se incomoda com pouco.
A sociedade está a empobrecer progressivamente. Só um atordoamento publicitário que cria e alimenta ilusões e anestesia a inteligência de quem devia pensar e ser crítico, pode impedir esta dolorosa e preocupante verificação. Também têm culpa desta doença que vai minando a vida em sociedade, muitos meios de comunicação social que cultivam o superficial e o emotivo e só aterram na realidade quando o escândalo é grande e torna a notícia rentável. As revistas dos escaparates, que são depois as que nos consultórios são monte de papel à disposição de quem espera, para poder queimar o tempo e alimentar a fantasia, dizem, com grande aparato gráfico, o vazio de muitas vidas, tornadas “famosas” pelo número de casamentos e de escândalos.
Gozar à tripa larga, sem dar nas vistas, foi o conselho de um conhecido treinador de futebol a alguns jovens jogadores, envolvidos em festa, que não honrava pessoas decentes e sérias. Porque se abriu para eles, em corrente abundante, a torneira dos milhões, muita gente julga que está aí para eles e para a gente nova, em geral, o segredo de uma grande felicidade, presente e futura.
A vida não se pode isentar de obrigações. Ela mesma as necessita e as gera para evitar a sua desagregação e obter a honrosa classificação de ser serviço. Do mesmo modo, também para o normal das pessoas, o trabalho que proporciona a alegria do que se goza e satisfaz. Fugir a obrigações e a trabalhos é falsear a vida e envenenar o prazer do que legitimamente se goza. Aqui o segredo da história que perdura e deixa rasto. A opção pela historieta e pela banalidade, pelos caminhos sujos e pelos meios falsificados, é de vida curta, porque de consciência perturbada.
António Marcelino