para a Missa da Aurora
NATAL DE ONTEM, NATAL DE HOJE
O nascimento de Jesus suscita um dinamismo extraordinário que Lucas narra de forma sóbria e discreta. Maria e José aconchegam o Menino e vêem realizadas as promessas feitas há meses pelo enviado de Deus. Contemplam-no, mais com o coração do que com os olhos, e deixam que seja o silêncio a falar. Acolhem quem O visita e ouvem quanto se diz a respeito do recém-nascido. Lc 2, 1-20.
Os pastores acorrem apressados e expectantes. Querem confirmar o que lhes havia sido anunciado. Os magos, despertos e orientados na sua curiosidade, põem-se a caminho e, errantes, vagueiam até chegar ao local do encontro. Herodes e os seus conselheiros reúnem de emergência e, temendo o pior, armam ciladas a quem os consulta e procuram eliminar a presumida ameaça ao poder. O Céu une-se à terra em admirável exultação festiva e maravilhosa coincidência.
São Lucas não está a fazer história com esta narração. Escrevendo «o Evangelho da Infância», depois de ocorrida a ressurreição de Jesus, vê o nascimento à luz da Páscoa e antecipa para os momentos iniciais a perspectiva do que virá a acontecer mais tarde. Elabora um texto, sobretudo, teológico que tem a força do acontecimento, o dinamismo da acção e a densidade do símbolo.
O símbolo faz-nos captar a verdade de que é portador: Deus faz-se ser humano, na condição mais frágil da existência, confiando-se plenamente aos cuidados de uma família. Vem ensinar, pelo exemplo e pela palavra, o que é comum a todas as pessoas: a dignidade humana, o valor da vida, a importância da relação confiante e solidária, a esperança do futuro que chega em cada gesto de amor benevolente, o alcance de uma plenitude a que todos estamos chamados e se vai prosseguindo gradualmente, a certeza de que o tempo comporta nas suas entranhas sementes de eternidade, a beleza do Céu que beija a terra e lhe garante uma perspectiva de Infinito.
É indescritível a riqueza do símbolo natalício. Protagonizado pelo Menino Jesus – a face humana do nosso Deus. Configurado no episódio de Belém e nas suas várias encenações. Pressentido pelos pastores e pelos magos que nos deixam preciosos, ainda que breves, relatos a que Lucas dá forma literária. Temido por Herodes. Plasmado na atitude de Maria e de José. Vivido gozosamente por Deus que todo se compraz na pessoa do seu Filho.
Realmente, está ali ao alcance dos nossos sentidos a imagem do Deus Invisível que «armou a sua tenda» entre nós; está ali, feito ser humano, Aquele que é Deus e vem estabelecer uma parceria de aliança com a humanidade; está ali, o Messias ansiado desde sempre, após a criação do mundo, e aguardado em jubilosa esperança por todos quantos de algum modo vivem o núcleo da sua mensagem: o amor feito serviço, o amor expresso culturalmente nos valores fundamentais à dignidade de ser humano.
A fé cristã – afirma Bento XVI – leva-nos a proclamar: «Deus é tão grande que pode fazer-se pequeno. Deus é tão potente que pode fazer-se inerme e vir ao nosso encontro como criança indefesa, a fim de podermos amá-lo. É tão bom que pode renunciar ao seu esplendor divino e descer a um estábulo para podermos encontrá-lo e, deste modo, a sua bondade nos toque, nos seja comunicada e continue actuando por nosso intermédio».
A expressão original do símbolo vem sendo revestida ao longo da história de várias formas que pretendem sublinhar o que se valora mais nessa época. O povo simples antecipou-se aos grandes artistas no jeito de cantar e representar a maravilha do Natal. Mas a arte, em todos os seus estilos, procura também dizer o indizível e encontrar formas que facilitem o acesso ao grande Mistério: melodias admiráveis, textos poéticos e narrativas literárias, composições musicais, obras artísticas em estilos amaneirados ou com uma sobriedade espantosa, deixando em realce o Menino e sua Mãe, enfim nada a que «o engenho humano» possa lançar mão fica de fora neste hino universal da criação e das criaturas perante o seu Senhor que vem ser um de nós para nos elevar até Ele.
“O Natal é o encontro de deus com o seu povo, confessa enternecido o bom Papa Francisco. É também uma consolação, um mistério de consolação. Às vezes, depois da Missa do Galo, passo umas horas sozinho na capela, até à missa da madrugada, com este sentimento de profunda consolação e paz”.
“Na noite de Natal penso sobretudo nos cristãos que vivem na Terra Santa, nos que têm dificuldades, todos os que tiveram de abandonar essa terra por causa de vários problemas.”
Deixemo-nos envolver pela maravilha do Natal e cresceremos em humanidade.
Pe. Georgino Rocha