para o Domingo VI do Tempo Comum
Não estranhes, homem com lepra, receber por correio eletrónico a mensagem de um padre católico. Vivo junto ao mar Atlântico, numa região a que deram o nome de Lusitânia. Leio com frequência as Escrituras e vou-me informando do estatuto social e religioso das pessoas que sofrem de lepra. Sei também que os rabinos multiplicam as regras protectoras de quem tem saúde, agravando a situação de quem sofre de doença. Estás escorraçado da sinagoga e da sociedade. Em “nome de Deus”! Vives a “monte” ou em esconderijos, à distância, para nem sequer seres visto. Tal o medo de contágio!
Olha, meu Irmão, ao ver a tua situação, nós os que vivemos em 2020-2021, podemos compreender melhor o que significa a pandemia e o possível contágio: doença grave, isolamento, rigor nos cuidados de higiene, sofrimento atroz e outros males que nos ameaçam de morte. E isto sofre-se, hoje, em quase todo o mundo, provocando uma distância aflitiva entre as pessoas. A distância não é apenas geográfica, mas afectiva, familiar, social e religiosa. Como bem sabes, todos somos humanos, temos coração, precisamos de laços de união e de pertença, sentimos necessidade de ser apreciados e reconhecidos.
Por isso, quero dizer-te, meu irmão, o que me vai na alma, o que faz nascer em mim o teu encontro com Jesus de Nazaré, na sua itinerância pelas tuas terras da Galileia. Mc 1, 40-45.
Admiro a tua coragem, fruto certamente da tua fé confiante. Que ousadia provocante! Tomas a iniciativa e aproximas-te de Jesus. Ignoras intencionalmente que estavas proibido de andar na rua, quando alguém fosse a passar, e tinhas de gritar “impuro”, “maldito”, para o avisar da tua proximidade ou, então, de fugir para evitar qualquer contágio. Transgrediste conscientemente uma lei “sagrada”. Arriscaste a vida que te restava, pois podias incorrer na pena de morte.
Por sua vez, Jesus faz o mesmo: estende a mão e toca-te, realizando um gesto de grande proximidade, mostrando uma liberdade superior, abrindo os horizontes novos da saúde integral para todos. E tu ficas curado no corpo, perante a sociedade, e abençoado por Deus, sinais públicos de integração na comunidade. Vês assim recuperada a tua dignidade de pessoa humana.
A atitude de Jesus nestes tempos de pandemia brilha na doação de pessoas com familiares contagiados e têm de permanecer em casa, de médicos e enfermeiros, de funcionários e agentes de limpeza. E de muitos outros dispostos ao risco do contágio por amor à vida dos infetados, por compaixão e solidariedade incondicional. É muito humano e quase heróica esta doação arriscada.
Com o teu proceder, meu bom irmão, ensinas-nos que os “milagres” de Jesus passam pelos nossos gestos. Tu fizeste ouvir a tua voz, ajoelhaste, colocaste a solução do teu “problema” nas suas mãos e aguardaste. Não temeste ser afastado como um maldito, nem tratado como um blasfemo. Apenas mostraste a disponibilidade radical para receberes o que ele entendesse por bem.
Deixa-me dizer-te outra maravilha: mostras uma disposição radical sublime. E ocorre-me uma pergunta: como chegaste a essa disposição do coração? Tu sabias que desse encontro dependia a tua vida. Arriscavas tudo. Estou em crer que a tua fantasia trabalhou bem os comentários que ias ouvindo, talvez às escapadelas. A intensidade do teu sofrimento reclamava libertação e pressionava as tuas capacidades activas. Impunha-se uma decisão ousada. Felizmente, soubeste tomá-la oportunamente. A tua sabedoria intuitiva leva-te a acertar, em cheio, na corda mais sensível do coração de Jesus Nazareno, o mestre itinerante. E a sua reacção, com todas as consequências, não se fez esperar: Toca-te com a mão e exclama: “Quero, fica limpo”! E, no mesmo instante, a lepra deixou-te. Que eficácia maravilhosa.
E, com a liberdade adquirida, podes seguir nos caminhos da vida: anunciando o que te aconteceu, espalhando a notícia, criando curiosidade em muitas outras pessoas que acorrem a ver e ouvir Jesus. Podes sentir-te um homem normal, deixando crescer a barba, sinal de honradez e de responsabilidade; vestindo a roupa comum, símbolo da plena integração e pertença à comunidade; mantendo o cabelo alinhado e o rosto descoberto, traços distintivos de quem sabe conviver em sociedade.
Obrigado, meu irmão, porque a tua lepra fica como referência dos males que ameaçam a vida humana ao longo dos tempos; a tua atitude como pauta a ter em conta na luta pela saúde integral; o teu encontro com Jesus Cristo como exemplo para todos os que alimentam o desejo de verem sanadas as feridas da vida e satisfeita a aspiração mais profunda do coração: a alegria de viver em família, em comunidade.
Olha, irmão liberto e sanado, vou terminar lembrando o que dizia um amigo meu, cardeal Pirónio, que não devemos ter medo de viver a alternativa da civilização do amor, que é “uma civilização da esperança: contra a angústia e o medo, a tristeza e o desânimo, a passividade e o cansaço. A civilização do amor constrói-se diariamente, sem interrupções. Pressupõe um esforço concertado de todos. Para isto, requer uma comunidade de irmãos comprometidos.” Como sobressai no teu encontro com Jesus de Nazaré.
Pe. Georgino Rocha