Reflexão de Georgino Rocha
para o Domingo XX do Tempo Comum
Mulher cananeia, há muito que queria enviar-te uma mensagem de saudação e estima pessoal. Mas só agora descobri o teu email: grande.fe@cananeia.ts Sou um padre católico, que lê com frequência os textos sagrados. Em dois deles, é narrado o teu encontro com Jesus de Nazaré. Marcos e Mateus são os seus autores e descrevem, de forma maravilhosa, o teu desejo apaixonado e lúcido. Mt 15, 21-28.
Tudo começa, como bens sabes, pelo tormento atroz em que vives o sofrimento cruel da tua filha. Grande coração de Mãe! Quantas voltas terás dado à imaginação impulsionada pela força do amor maternal! Quantas tentativas terás feito para encontrar quem te pudesse valer! Quantas hesitações terás vivido, antes de te decidires a ir ter com Jesus de Nazaré, tu que pertencias à raça dos excluídos das bênçãos de Deus, segundo as leis judaicas! Venceste-te e, por isso, alcançaste o que tanto desejavas. Parabéns!
Mulher cananeia, permite-me uma pergunta: foi só a predisposição natural do coração que te fez abeirar de Jesus ou já tinhas ouvido falar dele e dos seus discursos admiráveis e gestos curativos? Eu inclino-me por uma e outra hipótese.
A narrativa daqueles autores mostra bem a firmeza da tua fé confiante. Começas por tocar na fibra mais sensível do seu coração: a compaixão misericordiosa pela pessoa em sofrimento. Estabelecias, assim, uma ponte sólida entre ti e ele. Mas, como resposta, apenas o silêncio se fez ouvir. Não por menosprezo, mas por razões mais profundas relacionadas com os segredos a que Jesus, por vezes, recorria como pedagogia do encontro e da relação consistente. Talvez quisesse que te abrisses a novos espaços de liberdade, dando o salto de quem procura apenas o benefício e ainda não sintoniza com o benfeitor.
É, sem dúvida, uma atitude estranha e desencorajante. Os discípulos intervêm. Aparentemente em teu favor. Realmente, por interesse, para se verem livres dos teus gritos. Às vezes, faz-se o jeito para evitar o incómodo. Também a eles Jesus dá uma resposta taxativa. Mas tu, mulher valente, avanças, humilhas-te na sua frente e pedes socorro. A tua coragem não conhece obstáculos. E consegues que reaja, se dirija a ti, ainda que usando uma linguagem que, literalmente, enaltece os judeus e rebaixa os outros povos. Tinhas dado um passo importante. A tua fé confiante, o teu coração inteligente e a tua vontade persistente haviam atingido o encontro pessoal e o diálogo directo. E encontras a resposta certa, expressão da tua atitude correcta. Aceitas ser um dos “cachorrinhos” e lembras que também eles comem da mesa dos senhores. Foste sincera, oportuna, perspicaz, assertiva, comovedora, convincente.
Jesus reconhece-o e descobre a tua grande fé. E, como consequência, concede-te o que tanto pretendias: “Faça-se como desejas”. E a cura aconteceu. Jesus coloca-se ao teu nível. O benefício é proporcional ao desejo. A medida da acção do Infinito tem sempre presente as dimensões do humano. A força do desejo manifesta-se em toda a riqueza. E a sua qualidade e nobreza, também.
Mulher cananeia, mãe agradecida, porque soubeste aliar a persistência da busca e a alegria discreta do encontro, foste atendida como filha e sentada à mesa familiar. Experimentaste que vale a pena confiar e trabalhar. E tua filha, liberta das forças opressoras, louvará para sempre o Deus da vida e será testemunha do esforço abnegado da sua mãe. E eu, convosco, bendigo o Senhor pelo vosso exemplo maravilhoso.
E o Papa Francisco aponta o teu exemplo à geração actual: “Nós devemos continuar a gritar como esta mulher: «Senhor, ajuda-me! Senhor, ajuda-me!» Assim com perseverança e coragem. É esta a coragem necessária na oração”.
Pe. Georgino Rocha