O SAL DA LÍNGUA
Escuta, escuta: tenho ainda
uma coisa a dizer.
Não é importante, eu sei, não vai
salvar o mundo, não mudará
a vida de ninguém — mas quem
é hoje capaz de salvar o mundo
ou apenas mudar o sentido
da vida de alguém?
Escuta-me, não te demoro.
É coisa pouca, como a chuvinha
que vem vindo devagar.
São três, quatro palavras, pouco
mais. Palavras que te quero confiar.
Para que não se extinga o seu lume,
o seu lume breve.
Palavras que muito amei,
que talvez ame ainda.
Elas são a casa, o sal da língua.
Eugénio de Andrade
Do livro "O Sal da Língua"
1.ª Edição -1995
NOTA: A Nina, gata cá de casa, tem a mania de cirandar por entre livros. E de vez em quando alguns caem sem que ela se incomode com isso. O dono que os apanhe. Hoje foi dia de cair Eugénio de Andrade. Tive sorte e reli "O Sal da Língua".