DOMINGO XXVI
“Deixa-te convencer” é exortação velada e insinuante, que encerra a parábola do rico Epulão e do pobre Lázaro. “Se não dão ouvidos a Moisés nem aos Profetas, também não se deixarão convencer, se alguém ressuscitar dos mortos”. Lc 16, 19-31. Esta resposta está posta na boca de Abraão como ponto final a um diálogo persuasivo sobre o valor das coisas, vistas da “outra margem do rio”, sobre a importância de saber aproveitar as oportunidades que o tempo nos proporciona, sobre a articulação consequente que existe entre a fase presente da vida e o futuro definitivo, a inevitabilidade da morte, a gravidade das omissões.
Deixa-te convencer, pois a vida é só uma, no tempo e na eternidade, embora com ritmos diferentes, tem uma dignidade própria que se manifesta, progressivamente, nas opções que fazemos e nas atitudes que assumimos, nas relações que criamos e alimentamos e nas associações que organizamos, na sociedade que constituímos, infelizmente, cada vez mais desigual.
Deixa-te convencer, pois os bens são pertença de todos e a todos se destinam, de forma equitativa e solidária, estando nas nossas mãos para serem bem geridos, segundo o propósito do Criador que se revela, de modo original, em Jesus de Nazaré, o Filho único de Deus, e as leis justas estabelecidas pela autoridade humana. O Papa Francisco não se cansa de exortar a que se promova uma economia para todos e cuide da criação.
Deixa-te convencer, pois o futuro definitivo, a vida eterna, estão germinalmente contidos no presente, como a árvore na semente, têm a força de atracção mobilizadora das nossas energias e talentos, e oferecem-nos a capacidade de aguentar e superar as contrariedades que, frequentemente, surgem no nosso peregrinar; garantem-nos que tudo o que fazemos é parcela do bem de todos e está cheio de consequências. A parábola mostra-o claramente no diálogo entre o rico instalado e o pobre mendigo. “Deus não é indiferente ao mal e à injustiça, e faz contas a eles”, afirma Manicardi.
Deixa-te convencer, pois a aspiração à felicidade é fundamental no ser humano, como manifesta o rico Epulão, tanto no luxo das vestes e nos esplêndidos banquetes, como, sobretudo, na experiência de frustração que lhe provoca sofrimentos horríveis e na súplica aflitiva por ajuda, ainda que mínima; aspiração que comanda a vida, nas horas de infortúnio e nos períodos de sucesso. Todos nascemos para ser felizes e vamos construindo a felicidade, sobretudo com pequenas coisas e em momentos fugazes. São Paulo, na 2.ª leitura de hoje, exorta Timóteo, seu discípulo, a que pratique a justiça e combata o bom combate da fé, a que conquiste a vida eterna. Exortação que também nos é dirigida.
Deixa-te convencer. Este é o tempo em que Deus coloca à nossa disposição todos os seus dons, a sua Palavra em tantas vozes humanas; o seu Filho Jesus em tantos rostos (des)figurados que urge reconfigurar; o seu Espírito que, livre e discretamente, vai agindo em nós para agilizar a nossa resposta coerente, o nosso envolvimento generoso; a sua Igreja que, apesar das limitações, nos abre as portas e acolhe como família de irmãos e nos proporciona o que tem de melhor: a mesa do Senhor, a comunhão de todos uns com os outros em Deus; as pessoas que fazem parte da nossa comum humanidade, familiares, vizinhos, próximos ou distantes. Deixa-te convencer: o futuro feliz está ao nosso alcance, “Deus faz justiça aos oprimidos, dá pão aos que têm fome e liberdade aos cativos” (salmo do dia). Com o esforço de todos e de cada um de nós.
Georgino Rocha