“Há dezenas de variedades de batatas e de cebolas, cada uma com os seus defeitos e qualidades. E quantas conhecemos? Nenhuma.”
«Queixamo-nos que as batatas fritas não prestam. Respondem que "é da variedade". E qual é, ao certo, a variedade da batata? "Isso já não lhe sei dizer..."
Há dezenas de variedades de batatas e de cebolas, cada uma com os seus defeitos e qualidades. E quantas conhecemos? Nenhuma. Um dia vamo-nos rir da nossa brutalidade e da nossa ignorância ao entrar numa mercearia e pedir só "batatas" ou "cebolas".
Ninguém entra numa florista e pede só "flores". A não ser o meu pai. Quando ele comprou uma casa perguntei-lhe como era e ele respondeu, enfastiado, "Ó pá - é uma casa!" Acontecia o mesmo com os carros: É um carro!" "De que marca?" "É um carro, pá!"
Estou sempre a chorar que já não há aquelas batatas amarelas-escuras, muito firmes, nada farinhentas, que se comiam com sardinhas. Mas nunca me dei ao trabalho de tentar descobrir qual é a variedade, para eu poder semeá-las. Isto faz sentido?
O estado civilizacional a que chegamos já distingue entre as batatas para fritar e as batatas para cozer — mas as outras centenas de variedades fritam-se e cozem-se de maneiras obviamente diferentes.
"Não tem aquelas boas cebolas que tinha a semana passada?" A pergunta e a resposta não fazem sentido se não se mencionar a variedade. Já provou a branca de Lisboa? E a Setúbal? Já provámos de certeza mas não sabemos quais são.
É uma forma de analfabetismo vegetal e gastronómico. Os vendedores até podiam cobrar mais se identificassem as variedades e pintassem um bocadinho a manta: "Cebolas Setúbal do Vale do Sado".»
Miguel Esteves Cardoso
Li no PÚBLICO
NOTA: Gosto das crónicas curtas e diretas do MEC (Miguel Esteves Cardoso) publicadas diariamente no PÚBLICO. Enquanto alguns cronistas especulam com verborreias que não levam a nada, em muitos casos, o MEC aborda o nosso dia a dia com graça, mas com verdade. Este texto vem mesmo a propósito, ou não passasse a Lita a protestar contra a má qualidade das batatas que se vendem em todo o lado: que têm zonas pretas, que são farinhentas, que ficam umas mal cozidas enquanto outras se desfazem, que têm mau sabor, etc., etc. Urge, penso eu, estudar a melhor forma de passarmos a ter batatas com selo de garantia: tempo de cozedura, origem e outras indicações gastronómicas. O MEC tem razão.