Georgino Rocha |
Jesus quer ajudar os discípulos a cultivarem uma atitude responsável na vida. Nem fugas para a frente ou para trás, nem insensibilidade e indiferença alienante no presente. Atitude responsável que se manifesta em advertir no que acontece e dar conta do seu sentido, do rumo dos dinamismos que contêm, da sua repercussão no bem de todos/as, na dignidade de cada um/a, na harmonia e no equilíbrio da biodiversidade. Atitude responsável porque o gérmen do futuro definitivo já está plantado na humanidade e vai crescendo em critérios de vida e atitudes de bondade de tantas pessoas que mostram que outro mundo é possível e necessário. Este gérmen a desenvolver-se no tempo atingirá a plenitude na eternidade, graças à intervenção transformadora de Deus na pessoa do seu Filho, o Senhor Jesus.
Lucas, o evangelista narrador que nos vai acompanhar ao longo do ano litúrgico que se inicia, coloca o episódio de hoje na parte final do discurso público de Jesus, antes de se retirar para o Jardim das Oliveiras, local onde tem lugar a sua prisão. (Lc 21, 25-28, 34-36). Discurso cheio de densidade humana, de avisos premonitórios de um futuro iminente e sua repercussão no presente. Discurso que faz uma leitura da história e do final feliz do mundo, apesar dos acontecimentos brutais que semeiam tribulações sem conta nem medida. E Jesus anuncia com certeza firme: “A vossa libertação está próxima”. E diz porquê: “Hão-de ver o Filho do homem vir numa nuvem com grande poder e glória”. O Filho do homem é Ele, Deus humanado, a Quem o Pai confia a abertura do livro da vida e a leitura das intenções das pessoas e o alcance dos acontecimentos.
A vinda de Jesus realiza-se em três tempos: o primeiro, na encarnação no seio de Maria e no nascimento do Menino; o segundo, na vida que brota, especialmente, da sua Palavra e dos sacramentos da nossa Igreja; o terceiro, que terá lugar quando tudo convergir em Jesus, o Senhor, e, por ele, for entregue a Deus Pai que fará a festa da sua família reunida dos quatro cantos da terra e de todos os tempos da história. A celebração do Natal condensa estes tempos. E a Igreja convida-nos a seguir de perto a exortação de Jesus aos discípulos e a usufruirmos dos seus ensinamentos. Por isso, vamos segui-los nesta reflexão dominical.
A leitura do que acontece à superfície causa angústia e pavor: Cataclismos, guerras, secas, fomes e epidemias, violências, mortes. Um pouco por toda a parte. E próximo de nós: insegurança, solidão, precarização do trabalho, crise familiar e divórcios, jovens sem futuro e casais novos sem esperança, intolerância religiosa ou privatização das crenças, abandono da Igreja. E muitos outros. Um mundo envelhecido, seja pelo que for, está a passar sem deixar enxergar ainda o que vai surgir. Como ver tudo isto? E tentar prever o seu alcance histórico? Que atitude assumir? A exortação de Jesus aos discípulos pode iluminar a nossa atitude: “Erguei-vos e levantai a cabeça”. O que significa: Não metais a cabeça na areia do presente, deixai as suas cinzas, vede que as flores também nascem entre escombros. E fica o desafio: Ver o que acontece com um olhar de fé cristã, a partir dos critérios do Evangelho e da Igreja de Jesus. À maneira de nascimento feliz depois de parto doloroso.
“A vossa libertação está a chegar”. É garantia que se realiza, de modo pleno, após a ressurreição de Jesus e que se verifica sempre que deixamos germinar as suas sementes na nossa vida. Libertar-nos, de quê? Certamente de tudo o que nos amarra: à comodidade egoísta, à ditadura do instante e do já, à informação de sentido único, à habituação do sempre se fez assim, à insensibilidade moral, à estreiteza humana que se projecta e desfigura a imagem de Deus, à história sem esperança, a uma vida sem Deus. Libertos de amarras, somos chamados a viver a liberdade dos cidadãos filhos de Deus e amigos do bem comum do seu povo. E assim vamos fazendo o Natal da nova humanidade.
“Tende cuidado convosco”. É exortação firme para não nos deixarmos surpreender. Pois, não faltarão ocasiões para sermos armadilhados pela intemperança, pela embriaguez, pelas preocupações da vida. E o resultado de tudo isto é ficarmos com o coração pesado, a consciência anestesiada, a mente confusa. Por isso, pode bater à porta o desnorte total na escala de valores que regulam a ética humana na vida pessoal e colectiva, na economia e nas finanças, na convivência entre os povos, na função das religiões e seu serviço a um mundo melhor. E, espontâneas, surgem as perguntas: De que cuidamos na vida? O que nos preocupa verdadeiramente? Procuramos o que tem garantias de vida eterna?
“Vigiai e orai em todo o tempo”. É recomendação feita como atitude lúcida de prevenção. Vigiar como a sentinela da manhã que, pelos clarões do amanhecer, sente chegar o novo dia. Vigiar como o pessoal de saúde que, pelos gemidos dos doentes, dá conta da gravidade da situação. Vigiar como o/a amigo/a de Deus que, pelos sinais do mundo, adverte na proximidade da instauração definitiva do seu reino.
“Vigiar, explica Manicardi no seu comentário, significa lutar positivamente contra a angústia, contra o risco de acabar à mercê do medo, de fantasmas e de crenças que nos inquietam, significa não cair na desorientação, não se extraviar, ou seja, não perder o norte, não ser desviado pelos acontecimentos que ocorrem, significa reencontrar força e coragem que impeçam o pavor de nos paralisar e conduzir à morte… significa alimentar a esperança cristã”.
O advento do Natal envolve toda a criação, mas sobretudo o coração humano que é o melhor presente que Deus oferece à humanidade inteira, a consciência iluminada pela verdade que brilha no presépio do Menino. Acolhamos o aviso de Jesus. Preparemos o seu Natal.
...