Georgino Rocha |
Após o “fracasso” da visita a Nazaré, terra onde cresceu e aprendeu a arte de ganhar a vida e de se relacionar, Jesus empreende nova iniciativa apostólica. Quer partilhar a missão. Parece que a experiência o aconselha. Chama os discípulos e confia-lhes a sua autoridade. Define, com precisão, as regras a observar e envia-os dois a dois. Primeiro ao povo de Israel, depois a todos os povos. E a história converte-se em livro aberto da missão universal realizada localmente por homens e mulheres, conforme as tradições culturais.
Jesus com este proceder prolonga o modo de agir de Deus que sempre associa o ser humano à realização da sua obra salvadora. Ao primeiro casal, confia o dom da vida, o cuidado da criação e o desenvolvimento integral; a Noé, a Abraão, a José, a Moisés e a tantos outros que escolhe para interlocutores, dá-lhes o encargo de alimentar a esperança e de serem rosto da sua paciência e do seu acompanhamento à humanidade com quem partilha esta aventura histórica. A José e a Maria, de Nazaré, entrega-lhes o delicado serviço de acolher Jesus e de o educar, de modo que prepare a vida pública e mostre muito do que viveu em família, no silêncio, na oração e na convivência de vizinhança. À Igreja em comunidade e a cada um de nós pessoalmente, deixa a missão de celebrar a sua memória e ser missionários em todos os ambientes. É esta a fase que vivemos. Com alegria e esperança.
Jesus traça um quadro preciso da missão a realizar: ir em equipa; levar o imprescindível; anunciar o Evangelho que suscita o arrependimento; expulsar os espíritos impuros, os demónios; ungir com óleo e curar com oração e desvelo os doentes; confiar sem limites porque são enviados, a missão é de Deus Pai, é Minha, diz Jesus. E eles lá foram “por trancos e barrancos”, agiram de acordo com as regras definidas e com indícios de resultados promissores. Diz o texto: “Os Apóstolos partiram e pregaram o arrependimento, expulsaram muitos demónios, ungiram com óleo muitos doentes e curaram-nos”. O medo esterilizante de deixar comodidades é vencido e cede a vez à fecundidade sanante. Que alegria devem ter vivido com a experiência feita. A confiança “virou” a êxito reconhecido.
Vamos deter-nos em algumas destas indicações pela sua riqueza simbólica e alcance actual, pelo realismo e horizonte de perspectivas, embora em cada época se devam configurar, sempre. Com critérios do Evangelho, claro.
A missão não é de aventureiros nem oportunistas ou agentes isolados. Antes, exige boa preparação, comunhão de sentimentos com quem envia, companheirismo, reconhecimento de que a roupagem humana não pode encubrir a simplicidade da presença testemunhante nem da mensagem anúnciada. Se não, como nas videiras tem de se esparrar as folhas para que as uvas beneficiem do sol e possam amadurecer. A missão deve despir-se de tudo o que oculta a simplicidade do anúncio e a beleza do amor que Deus nos tem. “A mochila”tem pouco espaço e precisa de boa arrumação. Só o imprescindível. Nem supérfluo, nem necessário. Apenas cajado e sandálias. E ter clara a noção do tempo. Para ficar ou partir, para não reter nada e sacudir o pó dos caminhos e andar com ligeireza. Com esperança de chegar mais longe. Uma terra nova aguarda os enviados. Que gratas memórias de quem os acolhe levarão consigo os mensageiros!
“O Evangelho não apresenta uma forma extrema e extravagante de viver, afirma J. M. Castillo, La Religión de Jesús, ciclo b, p. 261. O que o Evangelho oferece é uma forma de viver, que não está determinada nem condicionada pelo dinheiro e o bem-estar, mas pelo projecto de aliviar o sofrimento, pela luta contra os agentes de violência, pelo respeito à dignidade e aos direitos de todos, pelo empenho em fazer feliz a quem nos rodeia. Isto é o que Jesus quer dizer com as proibições que impõe aos seus discípulos. Jesus não apresenta um projecto extravagante, mas um projecto de humanidade”.
No encargo da missão, Jesus destaca o poder sobre os espíritos impuros. E ordena aos discípulos que expulsem os demónios. Dá a impressão que o mundo estava/á empestado, que as forças do mal vão campeando, que a imundície tende a abafar a beleza original da criação e a bondade das criaturas, sobretudo humanas, que a corrupção desintegra a coesão e a sanidade da sociedade, que a indiferença se agiganta, que a confusão se apoderou da nossa geração rica de meios e pobre de sentido existencial. O realismo aconselharia a continuar a ver o terreno a evangelizar. É a saúde integral no tempo aberto à eternidade que nos envolve. Mas as indicações dadas abrem caminho aos discípulos missionários, a nós cristãos fiéis e seguidores de Quem nos envia.
“O envio em missão, afirma Manicardi, Comentário à Liturgia, p. 118, cria testemunhas: os próprios enviados devem fazer reinar sobre si as exigências do Evangelho. A sua presença deverá ser anúncio e transparência daquele que os enviou. … o enviado do Senhor não é tanto aquele que diz palavras inspiradas, mas, como lembra a Didaké XI, 8), aquele que tem os «modos do Senhor»”.
O método de Jesus readquire novo vigor na sociedade secular. O envio é feito dois a dois. “A presença de pequenos grupos de discípulos de Jesus na nossa sociedade, tão necessitada de encontro real e de amizade, é a ferramenta mais valiosa que pode fazer presente a Boa Notícia”, garante o comentador da Homilética, Miguel Vicente. Belo ensinamento a ser prosseguido pela nossa prática diária.
Georgino Rocha