Georgino Rocha |
«O Reino de Deus vai germinando em nós no silêncio do coração e no santuário da consciência sempre que estamos atentos ao que acontece, sabemos em quem confiamos e dormimos em paz, como o semeador»
Jesus vive a preocupação de tornar acessível a mensagem que anuncia. Marcos, o evangelista narrador, referindo-se aos ouvintes, aduz o recurso a muitas parábolas “conforme eram capazes de entender”. E acrescenta que aos discípulos tudo era explicado, em particular. É neste contexto que surgem as sementes do campo, as aves e os ninhos em grandes ramos. Sementes que germinam, crescem e se convertem em arbustos de jardim e em árvores de bosques frondosos.
Jesus “utiliza uma linguagem narrativa decalcada do real. Jesus fala de Deus contando histórias de reis e de pescadores, de semeadores e camponeses. Uma linguagem profundamente humana, simples, compreensível, que efectua uma comunicação aberta, englobante e não excludente. Será assim que nós falamos das «coisas do Pai»?” (Manicardi, Comentário á Liturgia…, p. 109).
Que preocupação admirável e apelativa! Dir-se-ia que é melhor ficar calado e em silêncio do que falar abundantemente e ninguém compreender nada. É melhor colocar-se ao nível cultural de quem escuta do que exibir erudição doutrinal sonante. A solidariedade e a clareza prevalecem sobre qualquer outra atitude de comunicação. É a lei do Evangelho que brilha no comportamento de Jesus. É apelo que fica para sempre a todos os educadores e mestres, a todos nós.
As parábolas da semente e do grão de mostarda realçam a força dos contrastes: pequenez e grandeza, seio da terra e elevação ao céu, trabalho e descanso/ócio, in-utilidade de ganhos produtivos e benefícios de usufruição gratuita, silêncio e chilreio de aves nos seus ninhos, a simbolizar a alegria das criaturas e a harmonia do universo. Força que desvenda o sentido do que está a acontecer e para o qual Jesus chama com insistência a atenção. “A missão de Jesus, afirma a propósito o comentário da Bíblia Pastoral, é portadora do Reino de Deus e da transformação que provoca. Uma vez iniciada, a acção de Jesus cresce e produz fruto de maneira imprevisível e irresistível. Diante das estruturas e acções deste mundo, a actividade de Jesus e daqueles que O seguem parece impotente e mesmo ridícula. Mas ela cresce até atingir o mundo inteiro”.
O contraste faz brilhar de novo a força e o alcance de que é indiciador: Jesus e o seu modo manso e humilde de agir face ao ambiente dos fariseus, marcado pela exibição e arrogância, que o envolve e questiona; a simplicidade do Evangelho e a exuberância de oratórias e discursos de «encher o ouvido». Também religioso e teológico, em sermões e homilias, em catequeses e exortações doutrinais. O Papa Francisco dá o exemplo e deixa o apelo a que tenhamos em conta os pais que sabem conversar com os filhos. Quanto caminho andado na renovação da comunicação! E quanto não falta andar para que cada cristão
se sinta à-vontade na vida da fé e, confiante, possa testemunhar a esperança que o anima num mundo, tantas vezes, indiferente, agressivo e triste. Testemunhar e dar as razões fundantes.
O alcance das parábolas fica em aberto. Tanto a semente como o grão não param no processo de crescimento quando atingem a maturidade. Chega em breve a ceifa e a apanha, a trituração e o esmagamento, a transformação do trigo em pão saboroso que se faz alimento de humanidade, de Jesus eucaristia, e do grão em molho de mostarda que se converte em condimento de carnes diversas e de outras iguarias. A narração de Marcos fica pela simplicidade do que é observável, pela riqueza do símbolo, pelo alcance do ensinamento. É bom deter-nos aqui e descer à realidade de cada um, do nosso processo de crescimento, dos frutos da nossa vida e da beleza dos ninhos dos nossos sonhos.
O Reino de Deus vai germinando em nós no silêncio do coração e no santuário da consciência sempre que estamos atentos ao que acontece, sabemos em quem confiamos e dormimos em paz, como o semeador. De contrário, é o joio da indiferença e do prazer efémero que definem as regras de conduta. O Reino de Deus cresce em nós na relação com o ambiente e suas condições saudáveis ou doentias pela poluição e degradação, relação de interacção e de mútua transformação e melhoria.
O Reino de Deus manifesta-se em nós na fragilidade da natureza e na provoriedade do compromisso libertador, na sobriedade da vida e na simplicidade de maneiras, na ousadia prudente e na aceitação humilde de limites, no apreço pela memória e na valorização do futuro desejado com equilbrío e sem ansiedade. O Reino de Deus opera em nós, de modo especial, quando damos espaço a Jesus Cristo e ao Evangelho, aprofundamos a Sua palavra, celebramos a liturgia na assembleia dominical e nos deixamos fazer doação total, corpo entregue e sangue derramado por um mundo novo. E, animados pelo Espírito Santo, vivemos a alegria da missão em todas as circunstâncias.
As referências podem facilmente multiplicar-se. Estas pretendem apontar a direcção do mergulho interior que somos convidados a fazer. A partir do alcance dos ensinamentos de Jesus que, na liturgia de hoje, reveste o rosto da semente, das aves e dos ninhos.
“A linguagem simples das parábolas, afirma Manicardi, … requer uma inteligência humilde e não arrogante, uma sabedoria, uma capacidade de compreender em simultâneo a terra da qual se contam as parábolas e o céu a que elas aludem. A inteligência do mistério…situa-se no plano da sabedoria, abarca em si tanto o saber, como o sabor, tanto a mente como o palato, tanto o espírito como o corpo. Uma inteligência capaz de gratidão e aberta ao dom…”. Ousemos aprender esta bela lição colhida na parábola das sementes, das aves e dos ninhos.
Georgino Rocha