quarta-feira, 11 de abril de 2018

O RECONHECIMENTO DAS PESSOAS NA IGREJA

Georgino Rocha


Os discípulos de Emaús, ao regressarem a casa em Jerusalém, narram a sua experiência de itinerantes que reconhecem Jesus ao partir do pão. O reencontro ocorre num clima denso: Os outros estão reunidos numa sala com as portas trancadas – sobretudo as do coração, apesar de notícias alegres que iam surgindo -, e escutam o testemunho de quem chega. Entretanto, acontece nova surpresa: Jesus aparece, coloca-se no meio deles, saúda-os e dá-lhes provas da sua identidade de Crucificado/Ressuscitado. A transformação é radical: o medo que tolhe a liberdade cede lugar à ousadia; a tristeza que abate os ânimos é superada pela alegria; a dúvida intrigante vê despontar a certeza da fé; a vida encerrada na tragédia do Calvário abre-se ao anúncio jubiloso do Senhor Ressuscitado; as trancas das portas transformam-se em pontes de missão universal.

Os sinais de que Jesus se serve para ser reconhecido como Ressuscitado estão relacionados com a mesa familiar, com os comensais da mesma refeição, com a conversa de amigos e o convívio de quem recupera energias perdidas e se dispõe a ler e a enfrentar as situações da vida, à luz da Escritura; a reganhar força para o futuro que se desenha nos desafios da missão. A experiência da refeição à mesa regenera a dignidade perdida, robustece a identidade, confirma o reconhecimento do que se é e se faz.



É a Eucaristia que cria dinamismos de comunhão a partir das legítimas diferenças. A sua celebração mostra a dignidade da assembleia do povo cristão e a de cada um dos que realizam os serviços necessários. A Igreja a todos reconhece na dignidade baptismal e a todos convida à cooperação em ordem a que surja a harmonia pastoral missionária. Exorta cada um a prosseguir na resposta à santidade a que Deus nos chama. No quotidiano e nas situações singulares que contextualizam a nossa opção de vida. Reconhece e configura o reconhecimento em regras que credenciam quem assume certos serviços de forma estável e está habilitado a, com a ajuda de Deus e da comunidade, a realizá-lo com humilde espírito cristão e generosa disponibilidade.

Constitui marco de referência para o que diz respeito às associações de fiéis o documento conciliar sobre o Apostolado dos Leigos, 18-19, e o Código em vários cânones, designadamente 298 e 299. Também alguns serviços e ministérios estão reconhecidos na área da liturgia e da catequese. Escasseiam em campos pastorais como o da família (por exemplo o ministério conjugal para os que casam na Igreja); o da caridade em todos os escalões do desenvolvimento integral e da maturidade cristã; o dos movimentos apostólicos de intervenção social; o da comunidade como povo de Deus e seus processos de evangelização, de animação e de coordenação; o dos órgãos de discernimento de opções a tomar e de aconselhamento programático a seguir; o da presidência na caridade, alimentando o espírito de quem, sendo irmão, está chamado a servir como pastor.

O programa pastoral 2017/2018 da diocese de Aveiro aponta como linha de acção a nível paroquial: “Dinamizar o envolvimento de leigos na condução corresponsável dos processos de pastoral paroquial através do reconhecimento efectivo e estável dos mesmos pelo bispo diocesano”. Esta linha de acção, a par de outras, reveste uma importância especial pois traduz um acto público de fé nos dons que o Espírito concede e nas capacidades que cada baptizado desenvolve e que o habilitam para a missão confiada; acto de caridade no valor do que tantos leigos estão a fazer e querem ver reconhecido; acto de esperança germinal do futuro emergente na Igreja em saída missionária chamada à conversão de atitudes dos seus membros e da organização da sua instituição.

O impacto da consciência social que se libertou de formas atávicas e reconhece o acesso indiferenciado a espaços abertos a praticamente a todas as pessoas, designadamente as que se preparam e dão provas de habilitação própria, a repercussão de igrejas que vão abrindo caminho a novas formas de ministérios, designadamente a mulheres, a acção de movimentos portadores de uma nova primavera na inculturação da fé e da acção apostólica, a fase crítica em que se encontra a Igreja católica na Europa e não só, constituem “janelas” que permitem antever o futuro que se avizinha e lançam estímulos não a regressar a um passado que não se deseja, mas a procurar os espaços onde o Espírito está também a actuar, hoje. O Senhor ressuscitado dá-nos o exemplo. Avancemos na ousadia confiante.

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