sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Maravilhados com o ensino de Jesus. E nós?

Reflexão de Georgino Rocha

Georgino Rocha


Jesus vai calcorreando os caminhos da Galileia e localiza em Cafarnaum, nesta quase desconhecida aldeia, a sede da sua missão em público. É uma opção pelas “periferias” pobres e sem poder, distantes de Jerusalém e dos funcionários sagrados que oficiavam no seu Templo. Também dos políticos de turno controlados por Roma. É uma opção clara que se desenvolve e confirma em mensagens e acções, em ditos e parábolas. E por vezes chega a expressões verbais veementes.
Cafarnaum fica situado perto do mar de Tiberíades, viveiro fértil de peixes vários, onde labutam pescadores que necessitam do sustento familiar e de pagarem as taxas que lhes são impostas. Nos socalcos das montanhas cultivam-se cereais, árvores e legumes que constituem a base alimentar da população. “Quem visitar esta região nos primeiros meses da primavera ficará maravilhado ao comprovar a força com que cresce a vegetação, afirma Flávio Josefo, historiador judeu do séc I, e menciona, entre achados arqueológicos, restos de moinhos de grão e de prensa de azeitona. Terra atravessada por duas vias ao serviço de interesses superiores.
Chegado ao sábado, Jesus vai à sinagoga. Marcos, o narrador do episódio, centra a visita num único ponto: A autoridade de Jesus que decorre do modo como Ele fala e a reacção entusiasta que desperta nos presentes. E, por contraste, vem a dos escribas, os homens letrados nos textos sagrados. Evita pormenores que podem desviar. Usa um estilo sóbrio. Faz-nos ver Jesus em acção, como se fosse “um directo”. (Mc, 1, 21-28).
O tom da mensagem terá sido o de quem vive o que anuncia e espelha no rosto; o de quem coloca o tom de voz em sintonia com o ouvido de quem escuta; o de quem estabelece pontes entre a boa nova do Reino e os anseios do coração humano; o de quem desperta energias adormecidas e faz novas sementeiras de esperança; o de quem está ao serviço da verdade que liberta de todas as amarras criadas, até por si mesmo.
Ricardo Manicardi, no seu «Comentário à Liturgia Dominical e Festiva, p. 95», afirma: “A autoridade da palavra de Jesus é, na sua essência, totalmente dirigida à vida e ao bem das pessoas: não é autoridade que engrandece quem a pronuncia, mas faz crescer o outro de novo; é autoridade de serviço, não de poder”.
Os participantes no culto sinagogal tinham outra noção de autoridade: a dos mestres de leis e de seus preceitos, repetidores de tradições venerandas que vinham a ser desvirtuadas e impostas à consciência como valor religioso abrangente. A figura resultante deste modo de proceder é o de uma assembleia de alinhados, de súbditos fiéis bem enquadrados no esquema oficial.
E pode fazer-se a pergunta algo perturbadora: O exercício da autoridade na Igreja denotará alguns dos traços judaicos do culto oficial? Ou será um reflexo atraente do modo de proceder de Jesus? Que imagem pública pode resultar das nossas respostas?! O Papa Francisco não cessa de chamar a atenção para este ponto.
Encontrava-se na sinagoga um homem com espírito impuro que se faz porta-voz deste contraste de autoridade e das suas consequências. Começa a dizer: “Que tens Tu a ver connosco, Jesus Nazareno? Vieste para nos perder? Sei quem Tu és: o Santo de Deus”. E a verdade surge entre gritos. Jesus não a nega. É uma confissão pública, fruto de saberes adquiridos nas práticas judaicas por onde perpassa também a iluminação divina. Os relatos da vida de Jesus em público atestam quão acertada é esta declaração inicial, atestam e desenvolvem, culminando na maravilha da Ressurreição. Acertada, mas diabólica pois diz a verdade e permanece na mentira. De facto, a ruína das forças do mal ia começar. E uma luta de morte marcará a vida Jesus que acaba morrendo para vencer definitivamente na Páscoa gloriosa.
Jesus não contemporiza com o espírito que desumaniza a pessoa, repreende-o e atalha imediatamente: “Cala-te e sai desse homem”. Linguagem directa, cortante, eficaz. O espírito impuro cede logo, deixando como sinais a agitação violenta que faz no pobre homem e o grito da submissão obediente. É assim: A cura provoca sofrimento; a palavra de Jesus vai às raízes do mal e arranca-as; é sanadora. 
O grupo presente confirma a admiração que exprime ao ouvir Jesus falar e faz várias interrogações. Entusiasma-se com a autoridade exercida e a mensagem anunciada, mas deixa uma “ponta de dúvida” a descoberto: A da possível ligação com os espíritos impuros que lhe obedecem, pergunta que encontra resposta capaz em relatos sucessivos de Marcos.
A visita de Jesus à sinagoga torna-se emblemática da missão de Jesus e do seu proceder: da população de Cafarnaum, centra-se nos judeus da sinagoga; aqui, fala a todos, mas foca a sua atenção em um; e neste, no estado de espírito impuro que é sinal da sua relação negativa com Deus. Faz o exorcismo da libertação e o homem retoma a sua vida normal; os presentes vêem e dão testemunho; “E a fama de Jesus divulgou-se por toda a parte, em toda a região da Galileia”.
Marcos, de forma hábil, deixa-nos um gérmen dinâmico da pedagogia de evangelização: Curar e libertar a relação do homem com Deus, favorecer o encontro pessoal, abrir-se aos outros, participar na comunidade, intervir na sociedade. Que maravilha. Apreciemos!

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