O apelo chega de Boston, Estados Unidos, onde o cardeal de Chicago, Blase Cupich, e o teólog jesuíta, James Keenan, promovem um Congresso sobre o novo impulso que a exortação do Papa Francisco “A Alegria do Amor” quer dar à Igreja e à sociedade. É mais uma iniciativa feliz que vem juntar-se a tantas outras que visam renovar as práticas pastorais em relação às famílias. E realiza-se num momento em que parece ser necessário fazer “o ponto da situação” à recepção deste documento pós-sinodal pelas dioceses e seus serviços, designadamente pelas paróquias, âmbitos eclesiais mais próximos às pessoas.
"Quando Amoris Laetitia foi divulgada, foi discutida brevemente... mas não houve um interesse geral da paróquia em ler o documento na íntegra", confessa um leigo participante no referido congresso. Confissão que, certamente, muitos outros podem subscrever.
"É triste dizer que a maioria dos que responderam (a um inquérito lançado para auscultar a realidade) diz que houve pouco impacto", revelou Vanessa White, leiga teóloga da União Teológica Católica, dos Estados Unidos. Revelação que constata o que estará a acontecer, ainda agora, em outras comunidades.
É certo que a Igreja não trabalha para a estatística nem a sua preocupação principal está em elaborar relatórios ou em divulgar notícias da quotidianeidade da vida pastoral. A fecundidade dos factos e sua energia vêem-se anestesiadas pelo silêncio do tempo ou pela memória adiada. Pode pensar-se que as boas notícias deixam o campo todo às más e que vale mais resguardar-se do que expor-se e receber algum eco menos positivo. Seria um pensar tremendamente redutor e, na prática, uma demissão consciente da força evangelizadora contida nas obras que “glorificam o Pai que está nos Céus”.
“Quantos capítulos tem “A Alegria do Amor”, pergunta-se em conversa de café num intervalo das sessões do referido Congresso. Os presentes entreolham-se, sorriem e aguardam a resposta de quem teve tal ousadia. “Claro que são nove. Mas, às vezes, dá a impressão que é apenas um, o oitavo, e deste somente as notas do rodapé referentes à possibilidade de os divorciados-recasados, após discernimento sério, terem acesso ao sacramento da reconciliação e da comunhão”. A pergunta parece ingénua, mas se calhar não é bem assim. A resposta está correcta. E faz pensar.
"Este notável documento, adianta o bispo de São Diego, Robert McElroy, nos convida a ver a sabedoria de escutar antes de falar, aprender antes de ensinar, rezar antes de se pronunciar. Somente pela profunda humildade de uma Igreja verdadeiramente sinodal as boas novas de Jesus Cristo podem reverberar com clareza e poder diante de um mundo faminto por uma palavra de esperança e uma possibilidade de salvação."
É dado assente que a prática pastoral da Igreja não pode ser exclusivamente hierárquica. O Espírito Santo dota os fiéis, sejam leigos, religiosas ou clérigos, com o “sentido da fé” que os leva a saber onde está “o dedo de Deus”, o sinal dos seus vestígios, a impressão digital do do seu toque nas criaturas e na criação. Dota e reforça com outras graças e sacramentos. Há numerosos cristãos habilitados em tantas áreas do saber humano e das ciências organizacionais. A gestão participativa do povo de Deus já tem vestígios no conselho que o sogro de Moisés lhe deu (Ex. 18, 13-27). E o Vaticano II vem insistir na corresponsabilidade de todos na Igreja que é comunhão de ministérios e serviços.
"Não podemos dialogar com as pessoas se já sabemos todas as respostas aos seus problemas", disse o cardeal Farrell, responsável pelo novo Dicastério do Vaticano para Leigos, Família e Vida. E lança uma séria chamada de atenção para o acompanhamento matrimonial, dizendo: "Os leigos têm de ser treinados e fazer esse trabalho. São eles quem melhor pode acompanhar os casais em momentos difíceis e desafiadores”. E acrescenta que neste campo: “ Os sacerdotes não têm credibilidade”.
Concorde-se ou não, o desafio está lançado. Casais acompanhantes, precisam-se. Não apenas quando surgem divorciados recasados a bater à porta da Igreja. Mas na contingência precária em que se encontra a família, hoje. O apelo vem de voz autorizada e corrobora o pedido do Papa Francisco a movimentos e associações familiares, designadamente às Equipas de Nossa Senhora. E sobretudo às paróquias.