domingo, 18 de setembro de 2016

Será a floresta uma questão pastoral?

Crónica de Frei Bento Domingues 


1. Durante este verão, as televisões mostraram Portugal como um país condenado ao inferno. O que sobrou de matas e florestas ficará para o fogo do próximo ano. Teremos um inverno para esquecer o que aconteceu e uma primavera para nos explicarem que estão a ser tomadas todas as medidas possíveis de prevenção e com instrumentos terrestres e aéreos para dominar eventuais incêndios. Ficaremos a saber quantos milhões foram disponibilizados para a prevenção e para o combate às chamas.
Por outro lado, será repetido que nem os privados nem o Estado estão a cumprir as suas obrigações: limpar as suas matas, abrir linhas de corta-fogo, caminhos de acesso a viaturas de socorros e disponibilizar meios de vigilância permanente.
Os interessados apenas na lógica comercial, perante uma eventual nova reflorestação, tentarão mostrar que as espécies que ardem melhor não podem ser discriminadas, pois as outras levam muito tempo a crescer. Precisamos de soluções rápidas e competitivas, mais importantes do que as vaporosas teorias ambientais.
Garantida estará pois a continuação das conhecidas retóricas de ataque, defesa e subterfúgios. A selecção de bodes expiatórios será suficiente para tornar a sociedade civil dispensada de se organizar e de se responsabilizar pela “casa comum” do povo português.

2. Já esgotei a paciência para a conversa de que o português tem grande capacidade para o desenrasque repentino, mas pouca paciência para planear, organizar, ser rigoroso e persistente na execução dos seus projectos. A pendular exaltação megalómana e a autoflagelação colectiva precisam de ser tratadas como doenças e não como a nossa mais respeitável característica antropológica.
Com esta preocupação estava a escrever uma proposta que suspendo para outro parágrafo, ao deparar com a notícia de que o Departamento de Ciências Florestais e Arquitetura Paisagista da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), conjuntamente com a Ordem dos Engenheiros iniciou, na passada 3.ª feira, no Teatro de Vila Real, um ciclo de debates subordinado ao tema A floresta portuguesa em causa. Não é preciso dizer que este é um dos caminhos da cura. Não é exaltante nem deprimente. É o alargamento realista de um trabalho para continuar.
A mesma notícia informava que apenas 23 alunos escolheram engenharia florestal. A imagem criada na sociedade fez da floresta uma causa perdida e não um convite a uma carreira académica e profissional aliciante. É urgente reagir e criar, através de todos os canais possíveis, o sentimento e a convicção colectiva de que temos a obrigação de zelar pela causa mais comum a todo o país. A qualidade do ambiente não pode ser encarada como luxo de um condomínio privado. É a própria respiração da nossa terra. Não deveria ser um dos principais assuntos da educação, desde o jardim-de-infância até à universidade? Não será também uma questão religiosa? Saber dos frutos da terra apenas pelo supermercado será suficiente? Será que os canais de televisão estão interessados em criar repúdio pelos incêndios ou em transmitir espectáculos para pirómanos? Não haverá pedagogia televisiva capaz de suscitar paixão pela natureza? Porque não mostrar o silêncio da natureza destruída?

3. O Papa Francisco fez do cuidado pela casa comum uma questão religiosa, um desafio ecuménico e a tarefa pastoral de uma Igreja de saída das sacristias.
Na encíclica Laudato Si evocou a voz dos seus predecessores, a começar por João XXIII, que recolheram a reflexão de inúmeros cientistas, filósofos, teólogos e organizações sociais. Não esqueceu as outras Igrejas, comunidades cristãs e religiões. Destacou, de forma especial, a palavra incisiva do Patriarca ecuménico Bartolomeu. Cada um tem de se arrepender pelo modo como maltrata o planeta. De modo firme e corajoso, intimou-nos a reconhecer os pecados contra a criação. Quando os seres humanos destroem a biodiversidade, comprometem a integridade da terra, contribuem para a mudança climática, desnudam a terra das suas florestas naturais, destruindo as suas zonas húmidas e contaminando as águas, o solo, o ar... tudo isso é pecado, o nosso pecado. Porque um crime contra a natureza é um crime contra nós mesmos e um pecado contra Deus.
Surge então uma pergunta inevitável: como e até que ponto a Laudato Siinterpelou a pastoral da Igreja portuguesa? Quais são os guiões elaborados para que, a nível das paróquias, dioceses, movimentos, congregações religiosas, Conferência Episcopal, se construa uma consciência comum, católica, perante as catástrofes ecológicas? Mais, que medidas foram tomadas para que o respeito pela natureza faça parte da educação cristã? Que consciência ecológica é desenvolvida, em todas as faculdades da Universidade Católica? Que lugar ocupa a Laudato Si nas celebrações, nas homilias, nas catequeses?
A Igreja católica, embora de forma diferenciada, está presente em todo o país. Não é um privilégio. É uma missão ecuménica, inter-religiosa e social em relação ao futuro do respeito pela natureza em Portugal.

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