Jesus põe este alegre convite na boca de um pastor e de uma dona de casa ao contar duas histórias de misericórdia. Aproveita o facto de publicanos e pecadores se aproximarem dele e de os fariseus e escribas estarem a murmurar. Os discípulos acompanham a cena e não intervêm. O eco do que Jesus fazia e ensinava divulgava-se velozmente. E as multidões acorriam a ouvi-lo, a vê-lo, a tocar-lhe, sendo possível. Não é difícil desvendar algumas razões para esta desejada aproximação: satisfazer os anseios da coração, confirmar a validade da notícia recebida, confiar nalguma mercê a receber. O certo é que deixavam o ram-ram da vida, venciam acomodações, expunham-se a privações e a outros riscos. Abrem caminho a que nos perguntemos: E nós por que andamos com Jesus, que buscamos, que disposição alimentamos?
O grupo dos “homens religiosos”, tinha outras intenções. Incomodado com o proceder de Jesus e seus ensinamentos a respeito de Deus e das suas preferências, tentam apanhá-lo em flagrante e, assim, poderem acusá-lo de algo grave que desse origem a um processo de condenação. Ouvem para murmurar, não para compreender, acompanham para vigiar, não para acolher nem apreciar; observam para acusar, não para anunciar a verdade. “Este homem acolhe os pecadores e come com eles”, afirmam sem rodeios, convictos. E ninguém os contradiz, pois estava à vista de todos. Também aqui o grupo dos fariseus nos oferece um espelho de tantas outras pessoas que sabem observar, opinar, insinuar, “fofocar”. E por aí se ficam. Como os treinadores de bancada ou de sofá. Religião vazia de sentido, ritos e devoções que “emitem” uma imagem desfocada do rosto de Deus.
A paixão de Jesus, em tudo o que diz e faz, é mostrar a novidade de Deus, o seu rosto de bondade, o seu agir de misericórdia, a sua alegria de comunhão, sobretudo após um desencontro ou desvio daqueles que muito ama. Lucas, excelente narrador do que averiguou diligentemente, descreve num estilo sóbrio e elegante, as referidas parábolas do pastor e da dona de casa, além de outras. De todas estas, ergue-se como monumento maior a do Pai bondoso e dos seus filhos: o pródigo e o obstinado. Hoje, centramos a reflexão dominical, nas duas primeiras, pois a terceira é mais conhecida, comentada e valorada.
A alegria do pastor ao ver o seu rebanho todo e a satisfação da dona de casa ao conservar as moedas juntas é profundamente alterada. Abre-se uma ferida: a parte que abandona o conjunto, o vazio gerado que fica a descoberto, o gosto amargo que atormenta o coração atento e solícito. Ferida que só terá cura quando se refizer a união e se estabelecer a relação. Por isso, cada um a seu modo, não se poupa a esforços nem teme correr riscos; não olha a lonjuras nem a demoras; porfia sempre até que alcança. Que paciência inquieta! Que persistência diligente! E o pastor regressa com a ovelha perdida acarinhada aos ombros. E a dona de casa, exultante, mostra às amigas e vizinhas a moeda encontrada. E, como se fosse em coro, Jesus põe na sua boca o mesmo convite entusiasta e jubiloso: “Alegrai-vos comigo, porque encontrei”.
A alegria é fruto do encontro de Jesus com cada um de nós. Ele procura-nos sempre. Mesmo quando desfrutamos de uma liberdade efémera. E percorremos caminhos ínvio na vida. Procura-nos, sobretudo, quando nos sentimos mais “perdidos”, sem horizontes nem sentido, “encurralados” no egoísmo e saturados de experiências “ao minuto”. O encontro com Jesus provoca a partilha jubilosa, fruto da novidade surgida, da dignidade recuperada.
Evocando Santa Teresa de Calcutá, transcrevo um breve trecho do seu discurso na sede das Nações Unidas, em 1985, discurso em que refere que um casal se dirigiu à casa das Missionárias da Caridade para lhe oferecer uma significativa quantia: «Perguntei-lhes: “Onde é que conseguiram tanto dinheiro?”. Responderam: “Casámo-nos há dois dias. Antes do casamento, decidimos que não compraríamos vestes de casamento, que não teríamos festa e que lhe daríamos esse dinheiro”. E eu sei, continua a Madre Teresa, o que significa no nosso país [Índia], numa família hindu, não ter vestes de casamento, não ter festa de casamento. Então perguntei-lhes outra vez: “Mas porquê? Porque é que fizeram isso?”. E eles responderam: «Amamo-nos tanto um ao outro que quisemos partilhar a alegria do amor com as pessoas que a Madre Teresa serve”. Como é que experimentamos a alegria de amar? Como é que o experimentamos? Dando até que doa. (…) Doeu a Jesus amar-nos, porque Ele morreu na cruz, para nos ensinar como amar. E esta é a maneira que nós temos também de amar: até que doa».
As histórias contadas por Jesus apontam um horizonte rasgado: Há festa no Céu, sempre que se vive a alegria da misericórdia na terra. O próprio Deus envolve-se no reencontro dos irmãos desavindos, na re~utilização dos bens para todos, na comunhão celebrada com amigos e vizinhos. Que maravilha e beleza nos transmite Jesus a respeito do nosso Deus.