sábado, 2 de abril de 2016

Sobre o radicalismo islâmico

Crónica de Anselmo Borges 

«Só um Estado não confessional 
pode garantir a liberdade religiosa de todos»

1. Face aos ataques terroristas que se têm multiplicado, a condenação tem de ser inequívoca. O próprio Papa Francisco não tem poupado nas palavras: "Violência cega dos atentados", "estes cruéis actos abomináveis, que só causam morte, terror e horror", "a violência e o ódio homicida só conduzem à dor e à destruição", "atentado execrável", "crime vil e insensato"...
Depois de tudo quanto foi dito e escrito, não sei o que poderia acrescentar, mas há uma questão que não pode ser evitada: se há relação ou não entre o islão e a violência. Como disse Michael Walzer, consciência crítica da esquerda americana, à revista Philosophie Magazine (Fev. 2016), "são muitos os intelectuais de esquerda que, preocupados com evitar toda a acusação de islamofobia, não ousam qualquer crítica ao islamismo radical. Preferem insistir no facto de que a causa do fanatismo religioso não é tanto a religião como a opressão do imperialismo ocidental e a pobreza que criou. Não é completamente falso. O Daesh não teria nascido no Iraque sem a invasão americana em 2003. No entanto, o Califado não é produto dos Estados Unidos, mas fruto de um retorno do religioso, hostil aos valores ocidentais."
Os ocidentais causaram muitas tragédias, mas não são os responsáveis por todos os males do mundo. E, como dizia D. António Ferreira Gomes, o famoso bispo do Porto, não é bom bater a culpa própria no peito dos outros.
Deixo aí partes de uma célebre "Carta aberta ao mundo muçulmano", de Setembro de 2014. É seu autor Abdennour Bidar, filósofo muçulmano prestigiado, especialista do islão. "Querido mundo muçulmano, sou um dos teus filhos afastados que te olha de fora e de longe. O que é que eu vejo melhor do que outros, precisamente porque te vejo de longe e com os meus olhos severos de filósofo? Vejo-te a dar à luz um monstro que pretende denominar-se Estado Islâmico e a que alguns preferem dar um nome de demónio: Daesh. Mas o pior é que te vejo a perder-te - perder o teu tempo e a tua honra - na recusa de reconhecer que este monstro nasceu de ti, das tuas errâncias, das tuas contradições, do teu esquartejamento interminável entre passado e presente, da tua incapacidade demasiado prolongada para encontrar o teu lugar na civilização humana. (...) As raízes deste mal estão em ti mesmo, o monstro saiu do teu ventre, o cancro está no teu próprio corpo. E do teu ventre doente sairão outros novos monstros, piores ainda do que este, enquanto recusares encarar de frente esta verdade e atacar, por fim, esta raiz do mal. (...) A culpa de tudo isto estaria no Ocidente? Quanto tempo precioso vais perder ainda com esta acusação estúpida, na qual tu próprio já não acreditas? Desde o século XVIII em particular, foste incapaz de responder ao desafio do Ocidente. Refugiaste-te de modo infantil e mortífero no passado, com a regressão intolerante e obscurantista do wahhabismo."

2. Neste processo, é essencial o diálogo inter-religioso, como tantas vezes aqui tenho sublinhado. Sem paz entre as religiões não haverá paz no mundo. Mas esse diálogo tem de assentar na verdade e, consequentemente, exige capacidade crítica. Duas condições essenciais se impõem. Uma tem que ver com a necessidade da leitura histórico-crítica dos textos sagrados, portanto, no caso vertente, do Alcorão, o que impede uma leitura literal (sabe-se hoje que o texto actual é de 800 d.C.). A outra refere-se à laicidade do Estado, que implica, evidentemente sem cair no laicismo, a separação da Igreja e do Estado, da religião e da política. Só um Estado não confessional pode garantir a liberdade religiosa de todos.
A Igreja Católica teve muita dificuldade em aplicar estes pressupostos, que aceitou plenamente apenas no Concílio Vaticano II. Mas já havia indicações e exigências no Novo Testamento e no fundador. Assim, nunca os teólogos católicos referiram a Bíblia como ditada por Deus, mas como Palavra de Deus em palavras humanas, o que implica a exigência de interpretação. Jesus disse: "Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus." E, chegado a Jerusalém, foi morto, manifestando-se contra toda a violência, dizendo a Pedro: "Mete a espada na bainha, pois quem com ferros mata com ferros morre." Durante 250 anos, o cristianismo foi uma religião pacífica e perseguida. Assim, quando os cristãos olham para os horrores cometidos ao longo da História têm de reconhecê-los e pedir perdão, pois atraiçoaram o fundador.
O que para a Igreja Católica foi difícil vai sê-lo ainda mais para o islão. De facto, na tradição muçulmana o Alcorão é tido como a Palavra incriada de Deus, ditado por Deus e, por isso, muitos lêem-no literalmente, com todos os riscos de continuação da humilhação da mulher e da barbárie, pois nem todas as suas suras (capítulos), como sabe quem o leu, são pacifistas. E o fundador, Maomé, foi ao mesmo tempo um profeta, um chefe de Estado e um general com exército, que combateu em várias batalhas.

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