sábado, 8 de novembro de 2014

FALAVA DO TEMPLO DO SEU CORPO

Uma reflexão semanal 
de Georgino Rocha



O gesto de Jesus, usando o chicote de cordas para expulsar os vendilhões do templo, seguido de diálogo que pretende ser esclarecedor, provoca tal “confusão” que é preciso o autor do texto vir dizer que “falava do santuário do seu corpo”. (Jo 2, 13-25). E não era para menos. O chicote do Messias, segundo uma expressão rabínica, constitui um símbolo da chegada dos tempos messiânicos: Pela purificação das intenções dos corações e pela reposição da função das coisas que, necessariamente, comportam aflição e sofrimento.

Ao ver o espectáculo do que acontecia – o mercado havia dominado o glorioso Templo de Jerusalém – enche-se de coragem e liberta os sentimentos mais impulsivos e vibrantes. E segue-se a acção demolidora das mesas de comércio, o menosprezo pelo dinheiro e a expulsão dos cambistas, a retirada dos animais e das aves. “Não façais da casa de meu Pai um covil de ladrões” – adianta como exortação e denúncia.

O gesto de Jesus tem um grande alcance profético. Atinge o “coração” da ordem estabelecida legitimada com o recurso à tradição. Centrada no sagrado, esta ordem tem, no Templo, a sede do poder económico, pelo comércio que nele se faz, do poderpolítico, já que nele se reúne o sinédrio que toma decisões; do poder religioso, uma vez que nele se sacrificam os animais para a oferenda. Com os abusos transforma-se de casa de Deus para a oração, em mercado para os negócios. Este é o “nó górdio” que Jesus pretende desatar, de modo que a casa de Deus seja casa do seu povo, reunida em assembleia de irmãos, que celebra o mesmo culto e escuta o mesmo ensinamento. Sem este centro, que solidez pode ter a organização político-religiosa imperante?! A reacção de defesa é imperiosa, normal.

As autoridades pedem-lhe um sinal comprovativo da sua acção demolidora. Querem embaraçá-lo e dispor de mais um argumento para o incriminar. Jesus responde, adiantando o erguer, em três dias, do Templo que havia sido destruído. Os judeus entendem o sentido literal da afirmação de Jesus – o templo de pedra, a glória da Cidade Santa. E reagem em consequência. Jesus refere-se a outro santuário – o do seu corpo – que havia de ser erguido na ressurreição, após três dias de paixão e sepultura. Morte e ressurreição surgem como caminho a percorrer para chegar ao reconhecimento do corpo humano como santuário de Deus. E Jesus ao fazê-lo, presta o maior serviço da sua missão, realiza a suprema manifestação da sua doação.

O corpo, destruído pelas autoridades, mas ressuscitado pelo Pai, é o novo Templo, em que habita Deus, é Jesus Cristo que nos incorpora em si, pelo baptismo, e nos faz membros da sua Igreja. A partir desta incorporação, cada cristão vê reforçada a dignidade natural do seu corpo, reconhece o valor inestimável da sua consciência, elevada a santuário, onde pode encontrar-se com Deus, sente-se chamado a desenvolver todas as suas capacidades, a estar disponível para servir os outros à maneira de Jesus Cristo e a ser peregrino de um futuro já saboreado em gérmen, mas aberto à plenitude definitiva.

A grandeza do corpo na cultura semita está na união indestrutível entre as suas diversas dimensões. Corpo significa pessoa inteira, capaz de acção e de relação, e não mero indivíduo solitário, nem apenas a sua indispensável componente carnal ou material. Não há existência humana sem corpo, nem mesmo depois da morte. Então, será corpo espiritual; agora é corpo de “carne e sangue” (1Cor 15,50). É sempre o homem/mulher que conserva a sua identidade pessoal.

A cultura actual “afunila” o sentido da pessoa na sua dimensão corporal e a tudo submete os cuidados de a manter com saúde e beleza. O horizonte cristão é muito mais vasto e comporta aquela dimensão integrada no todo que é a pessoa: seu físico e espírito, sua história e eternidade, sua realização e aspiração, sua individualidade e sociabilidade, sua finitude e plenitude, sua autonomia e obediência, sua vida e morte na esperança da feliz ressurreição que, desde já, vai saboreando.

Jesus fala-nos, hoje, do corpo humano e do seu sentido profundo que se capta melhor, tendo em conta o episódio que protagoniza no templo de Jerusalém e quer ver respeitado em todos os santuários corporais.

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