Reflexão semanal de Georgino Rocha
A sala enche-se de convidados para a festa nupcial. (Mt 22, 1-14). Esteve em risco de ficar vazia, contrariando todas as expectativas. Salva a situação, a insistência paciente do pai do noivo que resulta em pleno. O amor desdobra-se em convites, face às recusas recebidas. A lista convencional tem de ser profundamente alterada. Quem, segundo a praxe, estava em primeiro lugar, dá preferência a outros interesses e não quer participar, sobrepõe as preocupações reais ou fingidas, liberta-se de incómodos, dá largas a velhos ressentimentos, exercendo violência e eliminando os portadores do convite.
A praxe é rigorosa. Antes de aceitar, o convidado procura informar-se, cuidadosamente, sobre os possíveis participantes. A escala social é padrão de referência e introduz níveis de oscilação no apreço e na consideração de cada um. Entre os comensais e entre estes e quem organiza a festa.
“Ide às encruzilhadas dos caminhos e convidai todos os que encontrardes”. O amor do pai corre imensos riscos, mas realiza a festa do filho. Assume a condição de quem anda nos caminhos cruzados da vida, espera nas esquinas das ruas, consome o tempo em bagatelas de lazer e entretenimento, alimenta conversas de lamento e resignação. É a condição de gente sem trabalho, de pessoas marginalizadas, de mulheres prostituídas, de ricos arruinados, de estrangeiros refugiados e sem meios para chegarem à sua terra, de todos os que têm o ferrete da exclusão social e religiosa, dos sem-abrigo.
Que impacto haverá provocado esta decisão nos ouvintes de Jesus, sobretudo nos zelosos guardiães do templo e nos sábios mestres da Escritura! A parábola é a última de três que a comunidade de Mateus nos transmite: os convidados para festa nupcial, os arrendatários da vinha, os filhos inconsequentes. Qual delas a mais interpelante e ousada! A tensão é visível e os “campos” vão-se extremando. As preferências do Pai/Deus tornam-se claras, segundo as narrativas de Jesus. O banquete do Rei vai ser saboreado por “gentalha” que não consta das listas oficiais.
A festa começa com a reunião à volta da mesa comum. Todos a saciarem a fome de alimento, mas sobretudo a dignidade de serem pessoas; todos em comunhão de sentimentos, mas sobretudo de estarem em sintonia com o Pai, deliciado com os convivas de seu filho; todos em harmonia respeitadora de diferenças, mas sobretudo de viverem em fraternidade que humaniza e liberta.
A festa, agora celebrada, vem de longe e antecipa o futuro definitivo: o banquete que está preparado para a família de Deus quando toda a humanidade chegar à sua plenitude. Os profetas, especialmente Isaías, ajudam-nos a intuir e a fantasiar o que será, descrevendo com requinte alguns ingredientes da ementa. Jesus toma parte em refeições diversas e, no decorrer de uma – a ceia pascal – institui a eucaristia como banquete sacramental e penhor da “futura glória”.
A eucaristia constitui memorial perene deste amor com que Deus nos ama e nos vai “tocando” de tantos modos, sobretudo quando à mesa nos reunimos em família, quando fazemos festa em vizinhança e comunidade, quando apreciamos a dignidade comum que irmana toda a humanidade, quando respeitamos em liberdade a decisão responsável dos outros, quando prosseguimos, incansavelmente, o bem de todos, a começar pela satisfação das suas necessidades básicas, quando acolhemos o amor de Deus por nós e aceitamos fazer-nos doação de entrega generosa para os outros.
Por isso, sem eucaristia vai definhando o vigor da fé, esmorecendo a chama da esperança, agonizando o dinamismo da caridade que se faz serviço incondicional. Coerentemente, o cristão autêntico não pode passar sem eucaristia, coração de todas as celebrações dominicais.
(Em “Crescer na fé: voando sobre as asas da aurora”, ed. Principia, a sair em Dezembro pf.)