Crónica de Anselmo Borges
no DN
A palavra sínodo vem do grego e significa caminho comum. Bispos de todo o mundo encontram-se em Roma desde o passado dia 5 e até ao próximo dia 19, para, em sínodo, debaterem questões relacionadas com a família, célula fundamental da sociedade e da Igreja. Como disse o Papa Francisco, "a comunhão de vida entre os esposos, a sua abertura ao dom da vida, o cuidado recíproco, o acompanhamento educativo e a transmissão da fé contribuem para uma sociedade mais justa e solidária".
Mas não há dúvida de que a família atravessa uma crise profunda. Por isso, Francisco quer "disponibilidade para um diálogo sincero, aberto e fraterno, que leve com responsabilidade pastoral a dar respostas às interrogações desta mudança de época". Pede ao Sínodo que escute "o clamor do povo, as tristezas e esperanças dos homens do nosso tempo". As portas estão abertas e ele quer que os bispos falem com a coragem e a audácia da liberdade cristã e escutem com humildade. "Falai claro. Que ninguém diga: "Isto não se pode dizer."" Não há tabus: uniões de facto, casamento à experiência, divorciados que voltam a casar e o acesso aos sacramentos, contraceção, homossexualidade, relações pré-matrimoniais, aborto, violência doméstica, abusos de menores no seio da família, poligamia, casais inter-religiosos, a emigração e a imigração e as suas consequências familiares, procriação medicamente assistida, famílias monoparentais, manipulação genética, o celibato obrigatório, a injustiça social global e as diferentes formas de pobreza na sua incidência sobre a família - tudo questões para debater.
Mas há uma pergunta fundamental: será este verdadeiramente um Sínodo, um caminhar em conjunto no mesmo sentido, mesmo que em passo mais rápido ou em passo mais lento?
Há quem tema que não. Este Sínodo, como refere M. A. Velásquez Uribe, poderia ser o lugar da expressão de grandes tensões e até oposição a Francisco, ao seu estilo e visão da Igreja. A sua simplicidade e humildade, um carro utilitário, não habitar no palácio apostólico, avisos aos bispos contra o carreirismo, o seu acento na misericórdia, lavar os pés a uma muçulmana, mandar prender um arcebispo diplomata por pedofilia, transparência no banco do Vaticano, excomunhão da Máfia: tudo coisas que incomodam os interesses, o poder, a carreira.
Não será por acaso que, a seguir à abertura do cardeal Walter Kasper à possibilidade do acesso à comunhão por parte dos divorciados recasados, que despertou o apoio público de Francisco, e pouco antes da inauguração do Sínodo, cinco cardeais, com Gerhard Müller, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé à cabeça, e quatro teólogos tenham publicado o livro Permanecendo na Verdade de Cristo: Matrimónio e Comunhão na Igreja, manifestando oposição frontal. Como não é por acaso que o cardeal Marc Ouellet, prefeito da Congregação dos Bispos, tenha vindo declarar, também nas vésperas do Sínodo, que não é própria da Igreja uma visão dos bispos "divididos em partidos". O cardeal esloveno Franc Rodé, numa entrevista à agência eslovena STA, acusou Francisco de ser "excessivamente de esquerda", colocando-o entre "essa gente que fala muito mas resolve poucos problemas". A poucos dias da abertura do Sínodo, um grupo de 48 intelectuais católicos, entre eles Mary Ann Glendon, professora de Direito em Harvard e ex-embaixadora dos Estados Unidos na Santa Sé, escreveu uma carta aberta a Francisco, pedindo que seja "intransigente" na defesa do casamento tradicional. Num livro acabado de publicar, Non è Francesco - La Chiesa nella grande tempesta ("Não É Francisco - A Igreja na Grande Tempestade", Antonio Socci, um conhecido jornalista italiano, membro do movimento Comunhão e Libertação, põe inclusivamente em questão a legitimidade da eleição de Francisco, que crítica acidamente, sobretudo por causa do seu "laxismo" em questões de ética sexual.
O que se decide no Sínodo está, portanto, para lá da problemática da família. Uma das palavras mais revolucionárias de Jesus é esta: "O sábado foi feito para o homem, não o homem para o sábado", o que significa que mesmo as leis consideradas divinas têm de estar ao serviço do ser humano. Assim, o que está em questão é se se quer uma Igreja que dá o primado ao Evangelho ou ao direito canónico, ao ser humano ou ao sábado, uma Igreja da doutrina e do dogma ou uma Igreja da misericórdia, uma Igreja do poder ou uma Igreja do serviço, uma Igreja "alfândega da fé" ou uma Igreja "hospital de campanha" para curar as feridas, utilizando a expressão do Papa Francisco.