Uma reflexão de Georgino Rocha
para esta semana
Georgino Rocha |
Jesus dá o exemplo e faz o apelo. Após o baptismo vê confirmada a sua dignidade de Filho de Deus que vê questionada ainda antes de iniciar a missão pública. Mateus – o narrador do episódio – elabora um diálogo provocador entre dois contendores: O tentador com as suas propostas sedutoras e Jesus com as suas respostas contundentes. Umas e outras afectam o núcleo mais consistente do ser humano e constituem o espelho mais polido da ”trama/drama” da nossa existência. Dão por suposto o reconhecimento da realidade assumida – a novidade da missão de Jesus – e procuram fazer a sua interpretação, descobrindo e reencaminhando o sentido original.
O tentador centra a sua provocação na fome e, consequentemente na necessidade de pão. Ontem como hoje, mas agora agravada exponencialmente. Em todas as dimensões da realização integral de cada pessoa. Como consegui-lo? O desafio é pertinente. A proposta parece aliciante: Que as pedras se transformem em pão. E Jesus podia fazê-lo. Porém a recusa surge espontânea e esclarecedora. O pão é preciso, mas a maneira de o arranjar está confiada ao homem, ao seu trabalho honesto, à sua organização laboral, à gestão de recursos, ao preço justo dos valores, à sobriedade de vida, à economia social em que todos participam. Como ensina a Palavra/Lei de Deus. Esta resposta liberta o homem das amarras da inércia irresponsável e da dependência doentia. Reforça e restitui a nossa capacidade de gerir a vida e de nos organizarmos em sociedade. Reencaminha o homem para si mesmo, libertando-o da alienação e do facilitismo.
Vencido, mas não convencido, desloca a tentação para o religioso, o brilho do espectáculo, o esplendor do cerimonial, o prestígio de quem pode ser acompanhado por forças especiais. O pináculo do Templo era o local indicado. O êxito estava garantido. Que mais poderia desejar o provocador? Jesus, em resposta curta e incisiva, não lhe dá tréguas e recentra o sentido da sua vida, insinua o caminho da sua missão. Dá um não rotundo à religião espectáculo, ao culto das aparências ilusórias, à ostentação de insígnias reluzentes e credenciadas. Quer ser obediente ao projecto de Deus que se realiza na sinceridade do coração, na simplicidade do amor fraterno, na humildade do serviço. Que contraste de perspectivas e que “abanão” para as consciências instaladas no que apetece e parece bem.
As provações recusadas levam o tentador a fazer um desafio original e, para ele, decisivo. Explora o instinto da posse de bens, a apetência por ser poderoso e dominar, o desejo irreprimível de viver seguro, ainda que sacrificando a liberdade dos outros. E promete “mundos e fundos”. Exige apenas um preço a pagar: que Jesus se vergue perante ele, se prostre e o adore como um deus. A reacção de Jesus deixa perceber que a provocação atingira o auge, era intolerável. “Vai-te, Satanás”. Sai da minha presença. A minha atitude está defenida: De joelhos perante Deus; de pé firme perante os homens. É esta a minha missão: erguer os caídos, animar os abatidos, levantar os prostrados pelas tiranias.
Ter, amar, poder constituem três núcleos da identidade humana onde ocorrem as derrotas/victórias mais decisivas da história. A vida de Jesus mostra com abundância de factos que o serviço por amor é o caminho do êxito pleno. Por isso, continua a segredar-nos: liberta-te e vem comigo.