Uma reflexão de Georgino Rocha
para este tempo
O cego de nascença encontra-se nos caminhos da missão de Jesus. Constitui um símbolo de todos nós que, de um modo ou de outro, sofremos da falta de visão, não “enxergamos” o sentido humano da vida, não reconhecemos nos outros o próximo semelhante, não consideramos os bens da terra como pertença de toda a humanidade, não apreciamos a nossa relação filial com Deus e, a partir d’Ele, a dignidade própria de cada pessoa.
Jesus quer libertar-nos da cegueira que fecha todos estes círculos em que nos movemos e agimos, em que crescemos como seres individuais solidários, em que interagimos e humanizamos a convivência em família, sociedade e Igreja. Em que construímos a nossa própria identidade. Que proposta admirável nos faz Jesus. Vale a pena acolhê-la com serena confiança e colaboração responsável.
O cego é sempre uma pessoa com direitos e deveres. A sua dignidade brota da própria natureza humana que deve ser reconhecida e protegida por leis justas e atitudes adequadas. Como testemunha o Papa Francisco que convidou surdos e cegos para uma audiência exclusiva realizada no Vaticano, na Sala de Paulo VI, a 29 de Março corrente. E como reconhece Jacob, um dos participantes nesta iniciativa, em entrevista à CNN: “Estou muito contente ao ver que o Papa torna público o nosso mundo por meio de uma audiência, pela primeira vez dedicada a pessoas como nós. Temos um grave impedimento físico e a maior parte das pessoas não sabe o que isso significa para nós.”
A cegueira não é resultado de uma maldição de Deus que justifica as medidas restritivas e as proibições impostas pela classe dirigente político-religiosa dos judeus. Sendo uma privação física, origina muitas limitações que dificultam a integração social e o usufruto das condições de crescimento harmonioso e de relacionamento humano. Quem não reconhece o drama que esta situação provoca padece de uma outra espécie de cegueira, muito mais perigosa que a primeira. E quem invoca razões religiosas para legitimar tal estado de coisas, ainda mais pois atribui a Deus a retaliação devida ao pecado cometido e à culpa assumida. São cegos que, às vezes, ocupam o lugar de guias, de mestres, de legisladores, de gurus religiosos. Jesus denuncia-os em termos inequívocos e age de forma alternativa, abrindo os olhos àquele pobre homem que lhe surgiu no caminho.
A cura apresenta-nos um percurso exemplar, típico de quem pretende ser discípulo missionário de Jesus Cristo. Destacam-se alguns passos: deixar-se encontrar por Jesus e aceitar ser conduzido, sentir questionada a sua situação, acolher os gestos e corresponder à palavra do “Enviado”, tomar o “banho” da regeneração, viver a alegria de ver a realidade com olhos novos, crescer nas convicções interiores e interpretar o sentido do que aconteceu, dar resposta às questões surgidas, testemunhar publicamente a fé em Jesus Salvador e suportar a retaliação imposta que cria espaços de liberdade para a nova comunidade dos discípulos em gestação organizativa.
A maravilha da cura constitui um sinal qualificado de que Jesus é o Messias de Deus. Sinal exposto a interpretações diversas. A família e os vizinhos mantêm-se indiferentes; os discípulos ficam em silêncio e não deixam perceber qualquer reacção; os fariseus intervenientes, após um diálogo tenso, assumem posições acusatórias e hostis. Só o que havia sido cego O reconhece verdadeiramente e o proclama com inteira liberdade. Só ele deixou que Jesus lhe abrisse os olhos, por inteiro. E tu também deixas? Decide-te!