Crónica de Anselmo Borges
Nos inícios de Maio e considerando as respostas dos católicos de todo o mundo ao inquérito do Papa, haverá o documento de preparação para o Sínodo dos Bispos, em Outubro, sobre a família, os seus desafios e dificuldades, a moral sexual. Os resultados do inquérito, com uma percentagem de respostas "altíssima", foram "unanimemente apreciados", segundo a declaração, há um mês, do Conselho ordinário do Sínodo.
Os resultados não foram ainda publicados. Ficam aí sínteses significativas de algumas dioceses alemãs. Assim - Aachen: "A moral eclesiástica sobre o casamento e a sexualidade representa para muitos fiéis um obstáculo para a fé." Augsburgo: "As pessoas sentem-se muitas vezes tratadas como falhadas e pecadoras." Colónia: "Em síntese, a doutrina da Igreja é vista como estranha ao mundo e à relação." Dresden-Meissen: "Muitos desejam que as proibições não estejam em primeiro plano." Essen: "Os inquiridos declaram-se favoráveis à possibilidade de uma bênção para os casais do mesmo sexo." Friburgo: "A vida em comum antes do casamento pela Igreja não é nenhum caso extraordinário, mas normal." Fulda: "Os jovens não se sentem correctamente percebidos pela Igreja." Limburgo: "Muitas pessoas que voltaram a casar sentem-se excluídas e feridas pela Igreja." Magdburgo: "No que se refere ao domínio do casamento e da família, a Igreja perdeu consideravelmente o seu alto significado." Mogúncia: "A condenação dos métodos artificiais do controlo da natalidade é rejeitada por quase todos e tratada como completamente irrelevante". Münster: "Entre os ideais católicos e a prática católica cavou-se um abismo." Osnabrück: "Cada vez mais pessoas abandonam a Igreja." Passau: "Não se compreende que não haja perdão para o fracasso de um casamento." Rottenburgo-Estugarda: "A proibição do preservativo é considerada condenável." Speyer: "Muitos fiéis não vêem acordo entre a sua compreensão da misericórdia e as afirmações jurídicas sobre o divórcio e um segundo casamento civil." Trier: "Os que responderam esperam misericórdia vivida nas questões do casamento, do fracasso, de um novo começo e da sexualidade."
Sobre temas tão sensíveis como complexos, espera-se agora uma palavra evangélica, positiva e humanizante, que não canonize o "vale tudo" nem caia no simples legalismo e na moral da proibição. Estou convencido de que o legalismo e o proibicionismo, acompanhados do não reconhecimento do princípio da autonomia moral, foram causa fundamental do abandono da Igreja por parte de milhões de pessoas.
Na sua comunicação ao consistório dos cardeais, aplaudida publicamente pelo Papa Francisco, o grande teólogo e cardeal Walter Kasper abriu portas que não podem ser ignoradas, no quadro da sua afirmação: "Precisamos de uma mudança de paradigma", ou seja, "considerar a situação também a partir da perspectiva de quem sofre e pede ajuda" e para lá do rigorismo e do laxismo. Assim, referindo o caso de um divorciado que volta a casar, formulou estas pertinentes perguntas: "1. se se arrepende do seu fracasso no primeiro casamento, 2. se esclareceu as obrigações do primeiro casamento e se excluiu de modo definitivo voltar atrás, 3. se não pode abandonar sem outras culpas os compromissos assumidos com o novo casamento civil, 4. se se esforça por viver no máximo das suas possibilidades o segundo casamento a partir da fé e educar os filhos na fé, 5. se deseja os sacramentos como fonte de força na sua situação, devemos ou podemos negar-lhe, depois de um tempo de nova orientação, de "metanoia", o sacramento da penitência e depois o da comunhão?" E sobre a possibilidade de um segundo casamento, lembrou a posição afirmativa das Igrejas ortodoxas, reconhecendo, com as cláusulas do adultério, também "outros motivos de divórcio, que partem da morte moral e não só física do vínculo matrimonial". Sublinho esta "morte moral" do vínculo matrimonial. Mas as propostas de Kasper estão a receber forte contestação de outros cardeais.