Diretor do Correio do Vouga
A Diocese de Aveiro vive um momento de justificável espectativa. Privada do Pastor que a lançou numa primavera de esperança, está ansiosa por saber quem sucederá a D. António Francisco, desejando alguém que possa continuar, a seu modo, bem entendido, esta rota da barca em que nos encontramos.
Ao longo da história, a escolha dos bispos passou por diversas formas e sofreu, em algumas épocas, turbulências e mesmo desvios indesejáveis. O que Deus quer nem sempre foi permitido pelos homens. E o Espírito Santo teve, não raro, de colmatar as lacunas graves criadas pela fragilidade humana.
Os Apóstolos, pelo que se depreende dos textos bíblicos, designaram diretamente aqueles a quem confiavam o encargo das Comunidades. Durante alguns séculos, duas coordenadas fundamentais pautavam a “eleição” dos bispos: a garantia de comunhão com a Sé de Roma e a expressão do “sentir dos fiéis”, que algumas vezes expressava a sua escolha por aclamação.
Os tempos trouxeram circunstâncias adversas a esta participação e comunhão eclesial. Os interesses “mundanos” foram progressivamente tomando conta da liberdade do Bispo de Roma e da manifestação do sentir dos fiéis. Chegámos ao extremo de imposição de bispos pelos poderes temporais, de desvirtuamento da sua missão pela mistura com o próprio poder temporal. Ainda não vai muito tempo que havia governos com o direito de condicionar a escolha dos bispos. E alguns nomes foram vetados pelas autoridades civis.
O esforço de expurgar de influências estranhas a escolha dos Pastores levou a um sistema secreto – não apenas discreto – que faz pensar em caminhos que também podem deixar dúvidas. Aliás: é facto que estranhos e surpreendentes resultados finais denunciam ingerências nem sempre isentas, neste caso por parte de estruturas eclesiais. Entretanto, os tempos novos do Vaticano II apontam outros caminhos. E toda a prática e discurso do Papa Francisco vão numa direção de corresponsabilidade e participação das Comunidades.
A disciplina atual para a nomeação dos bispos procura um ponto de equilíbrio: conciliar a liberdade de escolha do Bispo de Roma com a participação das Igrejas locais. As listas periódicas de “bispáveis”, elaboradas pela Nunciatura a partir de consulta a bispos e outras pessoas e o pronunciamento sobre as ternárias constituídas para propor a Roma são uma forma de expressão dessa corresponsabilidade e participação.
Mas, se não podemos pensar numa “democracia direta” para a designação dos bispos, é legítimo esperar que um novo espírito de exercício do ministério petrino, a sua relação com as conferências episcopais, a correlação entre instâncias locais e universais, bem como a consciência de povo de Deus, que transforma a conceção de relação entre clérigos e leigos, e a valorização do “íntimo sentido das coisas espirituais” do mesmo povo de Deus induzirão a uma purificação e melhoria da disciplina atual.
Aveiro poderia beneficiar já desta nova aurora, sobretudo depois de um ano de celebração jubilar, que abriu caminho a uma nova missão. Vamos confiar!
Li no Correio do Vouga
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