Crónica de um professor,
por Maria Donzília Almeida
Joana Gramata
Está no imaginário de quase todos os habitantes da Gafanha da Encarnação, este gentílico, nomeadamente nos mais antigos, os que emergem do século passado. Integra até um topónimo, que me traz gratas recordações, pois foi lá que nasci e passei os verdes anos da minha meninice e adolescência. Perdeu o sentido, quando dali partiu o patriarca, deixando a casa que habitou, cheia de recordações e amargura!
A Gafanha da Gramata, ou Gafanha da Maluca começou a designar-se por Gafanha da Encarnação, só em 1848, um século anterior ao meu aparecimento neste mundo. Joana Maluca e o seu segundo marido tinham mandado erigir, nesse ano, a primeira capela dedicada a Nossa Senhora da Encarnação, neste lugar.
A designação de Gramata, proveio de uma planta marinha existente na zona. A atual vila da Gafanha da Encarnação tomou aquele nome, não só pela existência da tal planta, mas pela necessidade de a distinguir da Gafanha da Nazaré.
Joana Rosa de Jesus, ou Joana Gramata, também era conhecida por Joana Maluca, devido ao seu casamento com José Domingos da Graça, a quem por alcunha chamavam "o Maluco". Esta designação não comporta alguma suposta insanidade mental, pois conheci fiéis descendentes, vizinhos dos pais, na Rua Joana Gramata. Estes herdaram a alcunha e sempre se manifestaram pessoas argutas e de rasgos de inteligência.
A esposa ganhou o epíteto do marido e ao morrer, em 1878, com cerca de 90 anos de idade, deixou nove filhos e 66 netos. A sua longevidade numa altura em que a esperança de vida se ficava, muito aquém, deu-lhe o direito de batizar a sua povoação, a Gafanha da Gramata, com a alcunha que ela tinha recebido do seu marido. Foi o privilégio, que os lugares circunvizinhos lhe concederam.
É atribuído, com justiça, a esta mulher o nome da nossa Gafanha e nela entronca uma geração de gente laboriosa e robusta que fez nascer dum areal inóspito a força duma terra produtiva.
Existem ainda, por cá, descendentes desta mulher, nos Gramatas que são uma referência por estas bandas.
Sempre manifestei um carinho especial pelo nome, por razões que se prendem com as minhas fantasias, as minhas vivências pessoais, nutrindo um encanto especial pelo diminutivo daí resultante. Joaninha é, para mim, um afago semântico muito querido, enternecedor, até.
Ao longo do meu percurso profissional bandos sucessivos de Joaninhas me apareceram, para além dos minúsculos insetos que na primavera nos visitam. É uma constante e uma prática minhas fazer uma alusão a essoutras joaninhas pelas quais nutro uma invulgar simpatia e apreço, referir o nome em várias línguas e naturalmente, ladybird em inglês. O coração tem as suas razões.
Joaninha é muito utilizada na cultura popular de muitos países e simboliza a boa sorte, a vinda do amor, a proteção. Dada a admiração que o homem tem por esta minúscula beleza, acredita que o número de pintinhas, na quitina da sua carapaça, é o número de meses que passarão antes que o amor da sua vida apareça. Se uma joaninha pousa numa pessoa, ela terá muita sorte. Por isso, matá-la pode trazer azar e tristeza.
Na França, se uma joaninha pousar numa pessoa, levará com ela as suas aflições simbolizando a limpeza espiritual, a renovação e a felicidade. Nos Estados Unidos, se aparecerem muitas joaninhas, na época da primavera, significa que a colheita daquele ano será farta. Por isso, os antigos farmacêuticos acreditavam que a joaninha era sinal de um bom agouro, uma vez que ela controlava a população de pulgas e cochonilhas, simbolizando dessa maneira, a boa sorte, a felicidade, o equilíbrio e a harmonia.
Este ano, como por milagre e para corroborar tudo o que referi sobre tão apreciado nome, integrou uma das minhas turmas, uma garotinha cheia de energia e vivacidade, qual descendente direta da sua antecessora. Uma Joana Gramata de palmo e meio, mas que promete vir a ser uma criatura de garra.
Um dia, para satisfazer uma curiosidade incipiente, fiz uma pergunta insidiosa (!?), a esta moradora do século XXI:
— Os teus pais planearam bem o nome que te deram, não?
— A S’ ôra já me fez essa pergunta mais que uma vez! Foi a resposta pronta e com o sorriso nos lábios desta criaturinha saltitante que está atenta e absorve as palavras da teacher!
Perante aquela irrequietude de movimentos, em gente de palmo e meio, aflorou à sua mente aquela característica da classe dos Coleóptera e família dos Coccinellidae.
A joaninha bate as asas 85 vezes, por segundo, durante o voo!
20.02.2014