Férias úteis para todos, uma utopia?
Costa Nova (Ria) |
«As férias são um direito e também um dever. Não somos máquinas. O desgaste dá-se em todos, a mudança traz oportunidades, descansar é um preceito divino que permite dominar muitas coisas, não apenas a obra criada, mas até forças desviantes que brotam dentro de nós próprios.»
António Marcelino
Os anos passam e continua tudo mais ou menos na mesma. Para muita gente, férias, nem seguidas, nem repartidas, nem no inverno, nem no verão. Há quem delas precise e ninguém lhas proporciona. Há aqueles que as têm, mas continuam noutro trabalho o tempo que lhes é dado. Muitas situações, muitas razões, muitas opções.
Repousar, retemperar forças, dar importância ao encontro e diálogo familiar, mudar de atividades, enriquecer-se, espiritual e culturalmente, tudo pode ter nas férias um tempo válido, como uma ajuda ou proposta.
As férias são um direito e também um dever. Não somos máquinas. O desgaste dá-se em todos, a mudança traz oportunidades, descansar é um preceito divino que permite dominar muitas coisas, não apenas a obra criada, mas até forças desviantes que brotam dentro de nós próprios.
Passei anos sem fazer férias, por julgar que não podia, não tinha tempo, que o trabalho urgia. Muitos as não tinham, e outros, tendo-as, não as faziam, nem as gozavam, por precisarem de juntar alguns euros ao diminuto orçamento familiar. Fui concluindo que esta minha opção não me não favorecia, nem redundava em bem para os outros. Tentei o equilíbrio, com atividades de férias, onde quer que me encontrasse, de modo a que as pessoas pudessem tornar as suas férias mais úteis, ora como capelão disponível para acolher quem precisasse, e promovendo um ou dois serões de reflexão sobre temas atuais da Igreja e da sociedade ou da Igreja em diálogo com a sociedade. E foi assim durante anos, continuando este projeto de uns dias fora, com o mês de agosto na diocese, visitando as praias e as termas, celebrando com as comunidades, realizando serões de reflexão e procurando o convívio direto com disponibilidade para as pessoas. Muita gente aproveitou e agradeceu.
Tudo isto me levou a pensar que a Igreja, nas suas comunidades paroquiais, mormente naquelas onde muita gente não sai e naqueloutras que recebem veraneantes ou emigrantes da terra, devem organizar atividades com propostas acessíveis e estimulantes de lazer e de reflexão, tanto para os que ficam, como para os que vêm.
É verdade que, no fim do ano pastoral, a todos os responsáveis apetecem mais as férias e não é convidativo gastar tempo com coisas, muitas vezes de aceitação duvidosa, que sempre exigem atenção e trabalho. Porém, o zelo e a criatividade pastoral não fecham portas para férias, mas dão valor às pessoas num tempo em que, facilmente, mais são tocadas pela dispersão, que pela atenção ao essencial.
Não adianta verberar atividades organizadas, por motivos lucrativos, que cedem na sua qualidade e dignidade, a uma melhor conquista de simpatias e euros. Muitas vezes estas atividades surgem à sombra da paróquia, por motivo das festas religiosas tradicionais, mas onde é evidente a ausência de gente esclarecida e apostolicamente motivada. Tudo se esgota com “artistas” de fora e conjuntos musicais de fraca ou nula qualidade moral e artística, de portas abertas a uma linguagem, falada ou cantada, que roça o soez, convidativo à baixeza de sentimentos. Acontece, deste modo, que os cristãos ainda pagam a quem os não respeita… As atividades de férias para nós e para os outros preparam-se. Sem isto, mais um tempo de desgaste e de pobreza.
António Marcelino