Claude Monet |
O caráter lúdico da existência, a festa, o divertimento, mais ou menos organizado, tomou formas distintas ao longo da história e nas diversas culturas. Aí plasmava-se o Homo ludens, e manifestava-se a impossibilidade de definir o homem a partir da caracterização unidimensional do Homo faber. A gratuidade do lúdico mostra uma dimensão existencial que não podemos negligenciar, abre uma clareira no utilitarismo habitual com que se pensa o tempo (time is money) e, em consequência, o homem. (...) Pensar o que se faz do tempo é refletir como se define o homem.
Fica assim indicada uma possibilidade de entendimento do tempo livre. Ele não é apenas um tempo «entre» tempos, já ocupados, mas interroga-nos, antes de mais, sobre a realização pessoal e social que projetamos, sobre o projeto que pessoal e socialmente desejamos para as nossas vidas. Mesmo o descanso autêntico pede para ser enquadrado nesta dinâmica maior da responsabilidade pela realização pessoal e social. O tempo livre é tempo de integração. De enriquecimento cultural, pessoal, afetivo. De exercitação do músculo da imaginação e da criatividade. De explicitação da vida interior.
A democratização, o incremento das propostas culturais de vivência dos tempos livres são aspetos positivos de uma mutação profunda nos modos de vida, consolidando uma consciência do direito ao bem-estar e à qualidade de vida. Assim, importa reconhecer com alegria a utilização do tempo livre na contemporaneidade, como fator de desenvolvimento e acréscimo que dá vida à vida e não apenas como expressão do mercado. (...)
É acerca da dificuldade de administrar, organizar e viver a liberdade própria que devemos refletir, quando olhamos para o tempo livre. Porque este tempo de descanso ou diversão, tempo libertado, poderá ser um indicador para compreender que tipo de humanidade queremos construir.
Formar para o tempo livre é educar para a liberdade. Dar os instrumentos para que cada um construa a sua própria casa, e não espere uma vida pré-fabricada. Que cada um conheça as suas verdadeiras necessidades, emoções, desejos mais íntimos para poder escolher quer o seu tempo, quer a sua vida. Isso é verdadeira autonomia. E para isso é tantas vezes preciso «perder» muito tempo livre. Não ter medo da interpelação do tempo nem fugir a enfrentar-se nesse espelho crítico. Talvez esta amalgamada realidade seja também uma hora para a sabedoria.
In Do tempo livre à libertação do tempo
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